Haviam terminado as aulas na
aldeia, abrindo-se um radioso sorriso nas faces das crianças que polvilhavam
agora o recreio escolar.
As brincadeiras intensificaram-se
e trocavam-se ideias do que seriam os planos para os próximos dias que se
avizinhavam, combinando-se algumas traquinices próprias das crianças de tenra
idade.
Avizinhava-se o Natal as famílias
iniciavam já no interior os preparativos para as festividades natalícias,
adiantando as lides agrícolas, nas quais as crianças também participavam.
Nessa altura a apanha da
azeitona era e ainda é uma das tarefas mais prementes para os habitantes
locais, que buscavam o sustento nas férteis terras com que foram bafejados pelo
ser iluminado.
A azáfama das matanças do
porco, o fumeiro, a busca de lenha para a fogueira de Natal, tudo se resumia às
festividades natalícias vividas não só em família mas também em comunidade,
visto que o elo de ligação entre os residentes sempre foi muito forte e
felizmente ainda se verifica em muitas aldeias do interior onde todos se
conhecem, apesar de já contaminadas pelo consumismo desenfreado e pela perda de
valores humanos, mas como disse onde ainda resistem as palavras “solidariedade”
e “amor pelo próximo”.
Não obstante essa azáfama,
as crianças tinham sempre tempo para brincar e tudo servia como pretexto para
isso.
Desde o gelo que se formava na estrada que servia para os mais afoitos e
corajosos fazerem dela uma pista de gelo, deslizando e caindo, mas sempre com
gargalhadas à mistura, apesar das mazelas contraídas; desde os recantos da
aldeia que serviam para o jogo das escondidas, até às bicicletas sem pneus que
serviam para brincar com as rodas empurradas pelas ganchetas, julgando-se as
crianças grandes velocistas, imaginando-se em um qualquer circuito de
velocidade, o importante era afinal a diversão divagando a sua mente por todo
um mundo imaginário, doce e belo onde apenas existia tudo o que era bom.

Recordo-me de um desses episódios
da minha meninice, onde por um mero acaso encontrei uma bicicleta nas escadavadas,
numa lixeira junto á Estrada Nacional a qual não estava munida de travões nem
de pneus, estando os aros à vista e alguns raios da roda frontal partidos.
(Ponte
das Escadavadas)
O próprio guiador estava
torto, nada que assusta-se uma criança sedenta de aventura e adrenalina. Logo
peguei nela, imaginando ter na minha posse uma bicicleta nova oferecida no
Natal por um familiar mais abastado que ma havia oferecido por ser uma criança
bem comportada, o que nem sempre era o caso.
Visto que não tinha travões,
nem pedais, além de estar desprovida de pneus o ideal seria aproveitar as
descidas (pensava eu na altura) e ganhar velocidade até atingir um patamar
plano, sem necessitar de grande aparato para parar a bicicleta, bastando para
isso a sola das sapatilhas para fazer abrandar o aro das rodas.
Incentivado pelos amigos da
aldeia, logo montei aquela beleza que rugia freneticamente perante a minha
coragem e logo iniciei a aventura, impulsionando a bicicleta que ganhou
velocidade. Durante uns bons metros avancei maravilhado, sentindo o ar cortante
do inverno que acariciava a minha face gelando-a, mas isso apenas me dava mais
prazer e gosto pela aventura.
A paisagem passava mais rápida, tornando-se por
vezes lenta, permitindo-me observar as suas cores de uma outra perspectiva e
com um deleite que apenas uma criança por vezes louca sabe explicar. Uma
loucura tão doce, uma meninice traquina mas deliciosa!
Percorridos vários metros,
aproximava-me já da escola, quando repentinamente os raios das rodas foram
cedendo, tentando travar com as solas já gastas o que não surtiu efeito, perdendo
o controlo da bicicleta, acabando por embater num poste de cimento, ferindo-me
ligeiramente.
Apesar do susto e de alguns
hematomas contraídos, tive sorte pois cai num terreno contíguo lavrado e macio,
o que me evitou mazelas de maior. Mas o que na verdade me feriu imenso foi ver a
minha bicicleta “nova” completamente danificada e agora sem poder ser utilizada
– como amei aquele minha bicicleta despida de pneus.
Foram bons aqueles momentos
que antecederam a minha queda, foi bom ser menino, apesar dos joelhos esfolados
e da reprimenda que se seguiu da minha mãe, que me alertou para o perigo da
minha brincadeira.
Tinha razão é certo, mas foi
tão bom aquele instante em que participei na Volta a Portugal em bicicleta,
ainda que apenas por alguns momentos.
Pequeno lapso temporal em que ganhei uma
etapa ao Joaquim Agostinho.
Soube bem ser criança e
rever esses momentos vividos numa aldeia que amo e que estará sempre na minha memória
e no meu coração.
(Fotos antigas – Memórias da
meninice)
Amo as minhas raízes, respeito
as memórias do passado e idolatro a minha terra …
Assim amassem a sua terra e
as suas gentes aqueles que nela habitam e a espezinham!
Feliz Natal!
João Salvador – 21/12/2013