As aldeias são por norma locais pacatos,
onde a vida corre devagar sem pressas, onde as relações entre as pessoas são
fortalecidas pelos laços que as unem desde a nascença.
Ali toda a gente se conhece, estreitando
laços de amizade e de convivência salutar, ainda que como em todo o lado possam
ocorrer diferendos, os quais são próprios da natureza humana.
Antigamente esses laços eram mais fortes e
muito enraizados mercê da dureza da vida. Esses laços eram fortalecidos pela cooperação
e ajuda mútua nas tarefas agrícolas, a que se apelidava de “Torna jeira”.
Havia sempre esse espírito de entreajuda, que
os trabalhos do campo e das vidas quotidianas impulsionavam, visto que poucos
eram os que tinham acesso aos tractores ou a outro tipo de maquinaria na década
de 70 e 80. Além dos terrenos irregulares e íngremes nalguns casos, que
dificultavam a utilização dessas máquinas, o poder económico e as ajudas para
as adquirir era residual. Ajudas essas que surgiram a partir de 1986, tendo o
seu apogeu com as ajudar da CEE, que na minha opinião não desenvolveu a
agricultura suficientemente nem a amadureceu, mas enriqueceu uns quantos “Chico-espertos”
sem nada darem ao país (mas isso são outros assuntos).
Nessas décadas o cavalo e os burros (asnos)
eram os Reis e dominavam a lavoura, sulcando os terrenos, puxando as charruas
conduzidas habilmente pelo camponês.
(Camponês a lavrar a terra)
Os cavalos (incluídos mulas, burros e
machos), vieram substituir as juntas de bois já pouco usadas no norte, ainda
que se vejam esporadicamente nos dias de hoje, nalgumas aldeias (talvez mais na
zona barrosã), onde a população mais idosa teima em continuar a usar o gado
bovino para o trabalho campestre.
(Lavrador a regressar dos campos)
O trabalho era manual (recorrendo-se para
algumas tarefas de carga principalmente aos animais), logo necessária a
colaboração de muitas pessoas em lides campestres como era o caso da cegada, da
apanha da azeitona, das vindimas, entre outras que possibilitavam o contacto próximo
e o convívio salutar entre os trabalhadores, usualmente da própria terra ou de
terras próximas.
Apesar de árduas as tarefas, as pessoas não
se queixavam (pois pouco adiantava e nada resolvia a sua situação – restava-lhes
lutar pela vida e da família), visto estarem resignadas às mesmas e as que não
estavam procuravam outras paragens, como era o caso das grandes cidades ou do
estrangeiro.
Mas que ninguém se iluda as cidades não
vivem sem os produtos agrícolas, pois é preciso alimentar milhões de pessoas.
Quem sabe o futuro … talvez o regresso de muitos
à terra, não nos moldes aqui referidos mas noutros com ajuda da mecanização
(como já muitos o fazem), ou através de culturas biológicas agora muito em voga.
Essas tarefas árduas tinham o dom de tornar
as pessoas iguais nos seus destinos, logo humildes, carinhosas, amigas …
pessoas de bem, onde não havia aqueles que se achavam mais que os outros. Isso
a aldeia possibilitava-o, mas agora com os novos tempos e apesar das actuais dificuldades, muitos vivem num mundo à parte onde os valores ancestrais se
perderam.
As amizades são agora mais ténues e pouco
verdadeiras. Egocentrismo, hipocrisia, egoísmo, arrogância, são agora
sentimentos que proliferam e ganham terreno nas novas gerações.
Quem não se recorda (aqueles que viveram nas
aldeias) das brincadeiras inocentes das crianças que se contentavam com o pouco
(que era muito) que tinham, mas sorriam e brindavam a vida com os seus sorrisos
estampados nos seus rostos angelicais, visto não terem conhecido o muito, que
lhes corrompesse a alma com futilidades?
(A brincar com um coelho)
Havia sempre nas aldeias, locais de encontro
preferidos da “canalha” que brincavam à apanhada; que faziam rodar com a “gancheta”
os aros que retiravam de bicicletas velhas; que jogavam ao pião; que jogavam ao
“espeto”, conquistando o seu mundo imaginário … quem não gostava dos
sentimentos cultivados nesses tempos em que os brinquedos eram feitos pela própria
mão das crianças. Os berlindes eram fornecidos pela própria natureza, as andas
eram feitas com a madeira retirada das florestas, os pequenos barcos flutuantes
com cortiça do sobreiro.
(Andas de madeira feitas manualmente - imagem retirada da internet: http://lombadamadeira.wordpress.com/page/66/?pages-list)
A imaginação era o limite do mundo, levando
as crianças a uma felicidade genuína, livre de consumismos ou de interesses que
lhes minasse a alma ou a pureza dos seus corações.
A
bica local de encontro
Na minha aldeia um dos locais prediletos era
a bica, local onde a água corria livremente no tanque que era usado para os
animais (gado cavalar, gado ovino e caprino) beberem água fresca após as
labutas no campo com os seus donos.
(Bebedouro dos animais - Foto de 2013)
Para os animais era um bebedouro, para as
crianças uma piscina, onde se banhavam e atiravam água uns aos outros, ao mesmo
tempo que se riam com um vigor contagiante.
Era ali que os casais namoravam às
escondidas, ou nos tempos mais recentes nem tanto assim, acompanhando a evolução
das mentalidades e da própria sociedade.
A bica esconde histórias de vida, de ilusões,
desilusões, amores, promessas encerradas, vidas arrastadas, felicidades vividas
…
Escreveram-se ali vidas e mortes de muitos
residentes, trocaram-se palavras de amor, choraram-se lágrimas de sangue,
beijaram-se lábios, nutriram-se sentimentos, tudo ao som da água que escorria límpida
e livre, na bica banhando e acarinhando as bocas sedentas que a recebiam como
um elixir, expelido pelo Olimpo.
Perto, bem perto moravam gentes que sentiam
a bica e a aldeia como sua. Um paraíso que absorvia o silêncio das suas mentes,
nas noites que passavam olhando o manto das estrelas brilhantes, imaginando o
futuro. O seu e o de tantos outros que consigo cresceram …
João Salvador – 04/08/2013
Nota: As
fotos aqui expostas são da autoria do José Rito Carneiro e outras retiradas do Google.
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