Começam as festas populares nas aldeias transmontanas,
com o lançamento do fogo-de-artifício a anunciar as festividades, aos
residentes e filhos da terra que nestas alturas do ano visitam as aldeias, após
11 meses de luta diária, dia aguardado com ansiedade.
As festas são sempre acompanhadas pelas
reverências religiosas aos santos padroeiros ou a outros a quem o povo presta
culto.
No caso de Sanfins a capela da Santa Rita de
Cássia é local de peregrinação dos crentes, que ali rezam fervorosamente pedindo por dias melhores, pelas vidas próprias, dos seus e de todos aqueles que
necessitam de uma graça divina.
Por norma no que concerne ao culto religioso
faz-se inicialmente e à noite a tradicional e carismática procissão das velas,
comum a praticamente todas as festas do norte e doutros locais do país. Essa
cerimónia é acompanhada de oração e de muita luz que emana dos corações dos
crentes, alimentadas pelas velas que libertam chamas de esperança!
Cedo o “fogueteiro” (na minha aldeia
usualmente tal tarefa era levada a cabo pelo Ti Augusto – pessoa experiente
nessa matéria) trata de fazer os lançamentos dos foguetes, anunciando o acordar
das festividades para o dia que agora rompe. Antigamente eram usados foguetes
de cana, os quais caiam nos terrenos limítrofes e ocasionalmente em cima dos
telhados, felizmente sem provocar grandes problemas ou danos, ainda que
ocasionalmente surgisse um malogrado pequeno foco de incêndio prontamente extinto
pelos populares.
Logo se juntavam alguns residentes no arraial
ou nos cafés da aldeia, onde trocavam confidências e experiências de vida.
Desde os migrantes no litoral, aos emigrantes em terras europeias, bem como a
outros destinos e ainda aos que pela terra permanecem, todos dialogavam
animadoramente e ainda o fazem felizmente. Esses momentos são sempre especiais,
pois é através desse intercâmbio que as pessoas se actualizam quanto às
vivências de amigos, conhecidos e familiares com os quais não privam durante o
ano. As notícias das estrelas falecidas que se apagaram para o mundo são sempre
as que provocam mais mágoa, mas logo se entende visto tratar-se do malogrado
ciclo da vida a que nenhum ser vivo escapa.
As bandas de música, rasgam as manhãs
adormecidas, acalorando as pessoas que se vão aproximando, acompanhando a
marcha ritmada dos músicos, que tocam afinados os vários instrumentos, cuja
cadência e ritmo é orientado pelo maestro. Percorrem as ruas das aldeias,
levando sons a todos os recantos, roubando sorrisos aos mais novos e aos mais
idosos, que se maravilham com tal visão. São os elementos da banda depois das
primeiras actuações convidados a partilhar a mesa com as gentes da aldeia, onde
convivem alegremente. As crianças preocupam-se mais em examinar a flauta, o
trompete ou outros instrumentos musicais utilizados pelos músicos, do que com a
comida na mesa. Estes pacientemente explicam como de um instrumento sai música,
deixando por vezes as crianças tentar tocar, o que muitas vezes resulta em sons
desagradáveis de se escutar, mas suportados pela alegria contagiante das
crianças.
De tarde a banda acompanha a procissão
religiosa desde a igreja, dando uma volta à aldeia parando junto à capela. Os
andores decorados com flores de várias cores, forrados pelos mais belos e finos
tecidos, onde descansam os santos, enchem a vista das gentes, perfumando o ar.
Cumpridas as orações, segue a procissão para
a igreja, local onde finalizam as festividades religiosas propriamente ditas.
Seguem-se agora as diversões pagãs, os comes
e bebes, a distracção a música e os jogos tradicionais.
À noite o conjunto contratado pela comissão
de festas inicia a sua actuação, num palco montado para o efeito. Música
popular irrompe pela noite, acordando todos os seres, libertando sons ritmados
que fazem os corpos bailar aos sons da música. O arraial é muito procurado
pelos foliões que prontamente se agarram ao seu par, dando uns pés de dança ao
som de músicas do Quim Barreiros ou de outros, razoavelmente interpretados pelo
conjunto.
Outros dedicam-se a beber umas cervejas, a
comer uns petiscos, tremoços ou amendoins e a conversar com amigos de longa
data ou de ocasião, trazendo-lhes alegrias e sorrisos também proporcionadas
pelos vapores etílicos com que o álcool os premeia, mas nesses dia que importa
isso?
Os remanescentes, normalmente os mais idosos
apreciam os mais jovens a rodopiar alegremente no centro do arraial, sonhando
com os tempos em que os seus corpos mais jovens também o permitiam,
recordando-o com melancolia e saudades!
Alguns anciãos, apesar de algumas maleitas,
ainda dão orgulhosamente o seu pé de dança, mostrando aos mais novos como
faziam antigamente.
Jogos
Tradicionais
É hábito nas festas populares a realização de
jogos cujas tradições se perdem no tempo e nas lembranças dos mais idosos.
Desde a corrida; à corrida de cântaros; a
correr a dois com uma corda amarrada a uma perna; à corrida de burros até ao
pau-de-sebo, tudo servia para animar as festividades.
Aqui irei apenas referir um deles …
O
Pau-de-sebo
(Festas de Sanfins 1994)
Um dos jogos mais difíceis era certamente o
de subir ao “pau-de-sebo”, pois requeria muita perícia e técnica na colocação
dos pés.
O mastro liso de vários metros de altura, era
untado com gordura para dificultar a subida, tornando a conquista do tão requisitado
prémio (normalmente era dinheiro e um presunto) uma tarefa hercúlea e que
apenas se conseguia através do trabalho de equipa.
Inicialmente as equipas, começavam por tentar
individualmente a subida ao mastro, mas apenas conseguiam limpar a gordura do
mesmo.
Como a tarefa se complicava, passava-se ao
trabalho de equipa em que se formava uma massa humana em forma de torre,
apoiando-se uns em cima dos outros. O primeiro era o mais sacrificado pois
tinha que suportar o peso dos restantes, subindo cada um dos elementos da
equipa pelos corpos dos restantes, que iam subindo uns para cima dos outros, apoiando
os pés nos ombros, até um deles alcançar o topo do mastro, onde tocava na
bandeira, conquistando o tão cobiçado prémio.
(Conquista do pau-de-sebo)
Quando o conseguiam era um momento de imensa
alegria, mais pela diversão do que propriamente pelo prémio.
Digo-o porque tive o prazer de participar
numa dessas provas durante as festividades, conforme o ilustram as fotos, onde
senti adrenalina e o prazer do convívio mas também de ver premiado o esforço a
que expusemos o corpo para ganhar o presunto e o dinheiro.
Para além da minha pessoa, o “Zé”, o “Luís” e
o “Américo” foram os restantes membros da equipa que permitiu a conquista do
mastro ou pau-de-sebo como é designado, o que diga-se não foi tarefa nada
fácil, mas compensou pelo prazer que tivemos depois em deleitar-nos com o
presunto que diga-se era caseiro e de qualidade.
As festividades nas aldeias tem vindo a
perder-se por inúmeras razões, desde a desertificação, à falta de dinheiro e de
voluntariado para fazerem parte das comissões de festas, o que naturalmente
apaga aos poucos a nossa identidade cultural e as nossas tradições.
Felizmente algumas ainda persistem e espero
que com o esforço de muita gente assim permaneçam por inúmeros anos …
João Salvador – 14/08/2013
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