Tinha já comprado as regueifas (Regueifa é um pão de trigo em forma de roda e cujo miolo é muito compacto) ao padeiro, que se deslocava como habitualmente à aldeia e adquirido as tripas (normalmente de vitela) na taberna da tia Maria, já que as tripas do porco eram destinadas ao restante fumeiro (salpicões; linguiças e bucheiras – feitas com carne fresca devidamente temperada) que a minha mãe pretendia fazer.
Habitualmente fazia mais alheiras para mandar para França para os meus tios e irmãos, que estavam sedentos delas, até porque a minha mãe tinha uma mão aprimorada para fazer alheiras, linguiças, salpicão e outro fumeiro. A carne era toda ela caseira (porco e galinhas criados em casa).
De manhã bem cedo já os utensílios utilizados estavam devidamente limpos e prontos para essa tarefa que deveria iniciar-se e concluir-se no próprio dia.
Atempadamente tinha já preparado as varas que iriam receber o fumeiro, que seria depois pendurado na lareira, para secar. Um cenário que sempre apreciei apesar do fumo que por vezes me impregnava.
O lume crepitava com bastante intensidade, estando os potes ao lume já cheios de água. Logo que começavam a ferver com intensidade, as carnes eram ali colocadas para cozer. Vários ingredientes (alho, sal, pimenta e talvez outros condimentos – era mais de comer do que ver como se fazia) eram ali colocados para temperar a carne e dar-lhe aquele sabor inconfundível e caseiro.
As carnes eram bem cozidas porque a qualidade da calda segundo dizia a minha mãe e as mulheres da aldeia que faziam as alheiras todos os anos, obtém-se através de uma cozedura adequada, dependendo a qualidade do produto final desse processo.
Enquanto coziam as carnes, cortava-se as regueifas de pão para dentro de um alguidar grande, deixando-se as mesmas soltas e prontas para serem banhadas pela calda que as iria acariciar.
Logo que as carnes estivessem cozidas, eram retiradas da calda, cortadas aos bocadinhos, desossando-se as carnes por completo. Claro que ia aproveitando para comer pequenos pedaços de carne com a desculpa de verificar o sabor.
Depois de aferir-se se a calda estava bem temperada de sal, deitava-se a calda sobre o pão, utilizando-se um coador para evitar que algum osso fosse para aquilo que seria a massa das alheiras.
A minha mãe tinha o cuidado de deixar o pão bem molhado, mexendo a calda e o pão com a colher para obter consistência na massa, juntando-lhe as carnes, temperando depois com pimenta moída, colorau doce e penso que com picante.
Os alhos desfeitos eram colocados na massa que depois eram regados por azeite a ferver, mexendo-se novamente a massa com a colher de pau.
Depois da massa pronta, já munidas dos aventais e dos lenços na cabeça as mulheres, no caso a minha mãe e irmã, começavam a enchouriçar as alheiras nas tripas de vitela.
Concluída a estafante tarefa, colocava as alheiras nas varas e pendurava-as apoiadas em dois barrotes paralelos, onde as alheiras recebem o calor da lareira que fará com que sequem e fiquem prontas algum tempo depois para serem consumidas.
A alheira fumada é a verdadeira alheira transmontana, pode comer-se da ramada (vara do fumeiro); conservada em azeite ou guardadas nos congeladores (coisa que não aprecio).
Depois de secas deleitava-me retirando a alheira da vara, tendo previamente colocado a grelha ao lume, aconchegando as brasas para receber a alheira. Esta com o calor por vezes “rebentava” e a massa saia, pelo que as furava para expelir o azeite.
Acompanhava muitas vezes a alheira com couves e batatas ou então com grelos, bem regados faustosamente com o azeite colhido nos nossos terrenos. Era um repasto como já não conheço …
Essas sim eram e ainda são, porque felizmente ainda existem pessoas que fazem as alheiras de forma tradicional em Trás-os-Montes, alheiras com um sabor inigualável e com uma qualidade reconhecida nos vários certames gastronómicos nacionais e internacionais.
Fotos:
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João Salvador – 20/01/2013
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