Da infância todos nós guardamos memórias,
umas mais doces, outras mais amargas, mas ainda assim algo que recordamos,
muitas vezes inconscientemente e que se agudiza em dias de tristeza visceral!
Vou divagando carregando nas letras no
teclado dando forma a palavras e a um texto sem sentido, de memórias soltas,
mas que sinto profundamente …
Em tempos a vida da aldeia decorria
pachorrenta, numa paz que inundava a alma dos mais afoitos e mais traquinas,
respirando-se o ar da simplicidade, da amizade da humildade e da partilha …
Os miúdos juntavam-se numa algazarra que
se confundia com o ribombar das festas imaginárias, das personagens criadas por
cada um que serviam o único propósito das brincadeiras inocentes, com as quais
o tempo escoava até ao por do sol, hora de regresso a casa.
Juntavam-se as crianças no recreio da
escola, em dia de folga, onde as brincadeiras não tinham limite. Alguns jogavam
ao espeto, conquistando parcelas de terreno, que iam recortando como se de uma
guerra se trata-se até assumir todo o globo. O espeto era tão só um ferro
afiado ou um prego grande tipo cavilha que era usado para arremessar para o
solo com força, espetando-o, fazendo depois uma outra investida e unindo os
locais onde o espeto entrou.
Era um jogo divertido com algum grau de
risco ainda que não me recorde nas minhas lembranças de infância de ter
ocorrido algum acidente relevante, apenas um ou outro ferimento sem qualquer
gravidade.
Nesse tempo os jogos eletrónicos e os
computares eram inexistentes, pelo que os rapazes e as raparigas, inventavam os
jogos, construíam os brinquedos ou dedicavam-se a jogos já conhecidos
ancestralmente e que agora estão em desuso ou em vias de extinção. Os jogos de
contacto eram os preferidos, nomeadamente a “trinca cevada”; o “escondidinho”;
as corridas; o jogo do lenço; a cabra cega, entre muitos outros.
Particularmente gostava de jogar ao
espeto, jogo que requeria alguma força, mas também saber escolher o terreno
adequado para espetar o ferro aguçado.
Hoje, caminho cabisbaixo quando entro na
aldeia, assolado por memórias que me recordam momentos de felicidade ali
passados e que não vejo recuperados, pois a aldeia sofre penosamente, assim
como todo o interior, o abandono da terra, o recuo demográfico, agravados pelas
políticas de morte a que o nordeste está votado. Encerramentos de instituições
e entidades públicas; o não incentivo à permanência dos jovens, tudo contribui
para o definhar do reino maravilhoso.
Tantos como eu, assim o permitisse a
vertente económico-financeira, bem como as condições de vida,
estariam neste momento a embarcar na caravela de retorno às origens, onde
poderiam ser uma mais valia para o renascimento de vilas e aldeias.
Mas tal afigura-se inviável, pois jazemos
num túmulo da indiferença a que as classes políticas votaram as
zonas interiores e mais pobres do país, não explorando as potencialidades
agrícolas; turísticas e outras que seguramente existem …
Assim, que me resta? Nada ou pouco posso
fazer para reavivar essas memórias que apenas mantenho nos meus pensamentos e
que me arrancam um suspiro de melancolia e saudade!
Seria agradável poder criar os filhos num
ambiente de acalmia e paz, ao invés deste ambiente de correria e de sterss
diário a que estão sujeitos e constantemente alvo de preocupações por parte dos
pais com a sua segurança, entrando-se em exageros, cortando-lhes as asas da
responsabilidade que desde cedo devem sentir e assumir.
Preocupa o estilo de vida adotado pela
sociedade atual, em que a relação inter-pessoal está a ser substituída pelas
relações facebokianas, pelo skype ou por qualquer outra forma de contacto
on-line.
Perde-se o contacto com a vida real, com os
cheiros, com as cores, com a troca de olhares cara a cara, com a franqueza,
tornando-se muitas vezes a palavra dita uma inverdade ou então impessoal e sem
chama. Muitas dessas amizades virtuais são isso mesmo “virtuais” e poucas se
convertem em amizade real, palpável onde o sentimento se toca, havendo
excepções.
O comodismo de estar-se a frente de um
computador, sobrepõe-se aos diálogos entre pais e filhos; entre amigos e até
entre namorados, danificando e corroendo as relações.
O diálogo vai diminuindo os assuntos
versam banalidades que em nada alimentam as relações.
São apenas meros desabafos de um tolo, que
gostavam de ver a juventude a seguir um caminho onde o espírito de entreajuda,
voluntariado e amizade proliferasse e não onde o isolamento, o egocentrismo, a
prepotência e a arrogância ganhem terreno. Isso sim assusta-me!
Mais me assusta a falta de objetivos de
vida que muitos jovens têm, limitando-se a olhar para o conforto do dia
presente em que os pais assumem toda a responsabilidade, sem pensarem no
amanhã, já de si tão sombrio, onde as névoas da precariedade pairam sobre as
nossas cabeças e sobre a de toda esta e das futuras gerações!
Os tempos de infância não foram rosas …
piquei-me em muitos espinhos, fui perseguido por inúmeros fantasmas, alguns
reais outros imaginários; a fome nunca me atacou mas não houve fartura, não
obstante, os momentos de felicidade de verdadeira amizade, esses tive-os e
recordo-os agora com muita saudade …
Imagino tais devaneios sentado no escano
da minha velha casa, esboçando um sorriso para a vida que ainda não sabia ir
ter … esta vida a possível e da qual não me posso queixar …
(Escano)
Era um mundo ruralizado, mas respeitoso e
de valores vincados, onde a palavra de uma mãe ou de um pai eram lei, e onde
todas as opiniões eram ouvidas sem arrogâncias ou de má vontade, fossem ou não
acolhidas.
Talvez seja do dia de hoje, um dia
cinzento, nada aprazível que me faz sentir triste e nostálgico, talvez o seja
ou talvez não … talvez seja mesmo o rumo de uma sociedade que caminha para o
anarquismo de valores e sem sentimentos puros e verdadeiros que me alarma … sim
talvez seja só isso que me fez escrever estas palavras sem sentido … devaneios
de um louco!
João Salvador – 24/04/2014
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