Mais uma vez este ano tive o prazer de ajudar a fazer a vindima de um grande amigo que tem várias vinhas na região demarcada do Douro, as quais cultiva anualmente, expectante por uma boa produção.
As vinhas situam-se numa região com relevo acentuado e agreste, mas com paisagens muito belas, ornadas pelas vinhas talhadas pela mão do homem (hoje ajudado pelas máquinas - tractores e alfaias agrícolas), de onde é colhido o tão desejado vinho do Douro, um licor apreciado mundialmente.
As vinhas vaidosas surgem à vista vestidas com as suas vestes de uvas brancas e tintas, sulcando os montes do conselho de Carrazeda de Ansiães, serpenteando-os dando-lhes vida, embelezando tudo o que a vista alcança, enriquecendo uma região dominada pelo esquecimento.
Começou o dia de madrugada, dia sombrio e algo chuvoso mas nem assim desmotivante para o grupo de amigos que se juntou para formar a "camarada" de vindimadores.
A tarefa não seria iniciada sem antes tomarmos um belo de um café no "púcaro" e de comer uma bola de carne caseira feita pela "patroa" e grande amiga, com umas mãos extraordinárias para a cozinha e para as lides da terra. Pessoa formada que adoptou a sua terra natal para passar algum do seu tempo em contacto com a terra e com os ares puros do norte.
Após sossegarmos o estômago, em amena cavaqueira deslocamos-mos para a vinha no tractor e no jipe, onde de seguida iniciamos as tarefas, cortando as uvas cujas castas são indicadas pela casa do Douro para aquela região.
As vinhas estavam bastante bem tratadas e ordenadas permitindo um trabalho aligeirado, apesar de ser necessário curvar as costas, o que após um dia de trabalho se ressentem do esforço.
Todas as vinhas que nesse dia foram vindimadas pelo grupo de amigos, estavam bem "compostas", produzindo ligeiramente mais que no ano transacto, apesar de a maturação ter estado ligeiramente mais atrasada neste ano.
De facto, invejo a persistência e o amor do meu amigo que se dedica de corpo e alma à terra, apesar de o fazer apenas quando a vida profissional o permite, nomeadamente férias e fins-de-semana. O gosto que emanam dos seus olhos e as palavras que fluem da sua boca, fazem transparecer todo o amor que o ligam aquela terra e que contagiam quem o rodeia.
Mas deixando de divagar e voltando a vindima, após o corte e os baldes cheios estes eram despejados nos "balseiros" que depois eram carregados no atrelado do tractor e transportados para o lagar, onde a uva era separada do "mosto" e despejado directamente para o lagar através de um tubo que o ligava à mastragadora.
Durante a vindima ainda fomos contemplados com uma chuva insistente que lavou os nossos corpos, encharcando-os, mas nem assim desanimou tão ávidos trabalhadores que continuaram animadamente a trabalhar e a conversar, até conclusão das tarefas, abdicando da hora normal de almoço, para terminar rapidamente a vindima, evitando assim novo presente do São Pedro que nesse dia estava deliciado com as gotas que nos banhavam o rosto, premiando-nos com um céu carregado de nuvens escuras e prontas a deixar descarregar todas as mágoas do mundo sobre as nossas cabeças.
Concluída a vindima e após as uvas estarem desfeitas e depositadas no lagar era tempo de almoçar uma bela feijoada com a qual todos nos refastelamos e à qual nada faltava.
Assim vale a pena trabalhar, pois o trabalho torna-se menos custoso, cultivando-se a amizade e valorizando o esforço de todos aqueles que diariamente labutam incansavelmente nas terras de seus pais, que em muitos casos a terra já tragou!
Valorizam-se as pessoas, desfruta-se da natureza, do ar puro que nos impregna os pulmões, mas acima de tudo alimenta-nos a alma e a mente, a qual se sente tranquilizada com toda aquela paz e saciada com o convívio e os sorrisos dos amigos!
Todos sem excepção o fizeram por prazer e ao mesmo tempo para ajudar um amigo que como muitos que se dedicam ao trabalho campesino, sentem enormes dificuldades no recrutamento de mão-de-obra, o que não se entende com a actual crise que grassa no nosso país e por esse mundo fora!
Pois na parte que me toca e a todos os que comigo privaram nesse dia, foi um dia diferente, agradável e feliz, ainda que cansativo, nada a que não estivesse habituado na minha adolescência.
João Salvador – 29/09/2013
Tarefa quase concluída – momento para
descomprimir
Em plena vindima
As tesouras e o balde não podem faltar
Após a separação do mosto resta lavar a
mastragadora
Definições/regionalismos:
Mosto da Uva - O esmagamento da uva produz uma mistura de suco, cascas e
bagas que será chamado de mosto (http://pt.wikipedia.org/wiki/Vinho)
Mastragadora –
Máquina usada para desfazer a uva, separar o mosto e encaminhar o sumo da uva
para o lagar através de um tubo.
Camarada – Grupo de
trabalhadores
Balseiro – Recipiente plástico
usado para acondicionar as uvas
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