Amigo Torga, hoje choro teu reino …
Entrei num reino outrora de sonho, hoje terra de pesadelo, de onde fogem assustadas suas gentes.
Em tempos era um reino coberto por mantos verdes, polvilhado de árvores, banhado por flores, exalando odores agradáveis onde viviam harmoniosamente os transmontanos, venerando a mãe terra.
Agora questiono-me! Entrando por terras do Marão, olhando as serras e montes, choro amargurado a morte das florestas compostas por carvalhos; pinheiros, tojos e giestas, plantas e árvores que vestiam não maravilhosa serra.
Meus olhos, toldam-se com a visão da terra queimada, despida agora da sua magnificência, pela incúria da mão criminosa daqueles que desprezam teu reino. Esses metacarpos são aqueles que matam tudo em que ti habita, sugam a tua beleza …
Verto lágrimas de tristeza amargurada, vendo o fenecimento do meu berço e de tantos outros, terra palco de histórias ancestrais de nossos antepassados, de batalhas e de sangue! Histórias agora abandonadas aos caprichos da ganância dos homens. Terra votada à indiferença dos filhos que tão sublimemente amamentou e amou. Filhos que agora a deixaram de amar!
Os cenários naturais, as suas colinas, as suas escarpas, os seus montes e vales, morrem lentamente. Os jovens buscam outros reinos mais ricos, ainda que sem imponência ou história. Os anciãos, pessoas cujas rugas cavadas nas suas faces pelos rigores da vida, jazem agora perdidos nas memórias de outros tempos, refugiados na sua sabedoria, mas assustados com um destino que temem cruel, perante dantescos cenários de morte e destruição.
Porque razão não devo chorar amigo Torga se teu reino que é também o meu está a ser destruído?
Não saberei expressar o que sinto tão sabiamente como tu, faço-o com palavras emocionadas de um filho da terra, visto que temo a escuridão que cobre agora um reino outrora verde e cheio de vida. Minha alma cobre-se angustiada pela sobra da morte a que estão votadas nossas belezas naturais!
Sinto-me impotente, pelo que verto nestas folhas sem vida, desprovidas de sentimento, minhas lágrimas sentidas que transformo em mágoa.
Impotente é como se sente um animal enjaulado, perante um inferno tão vasto e incontrolável, pois assim me sinto eu!
Vai definhando teu reino. Com ele perecem as almas errantes dos antepassados, que labutaram tão vasto território. Vagueiam agora perdidos pelas brumas de tempos idos. Evocam-se suas memórias buscando-se salvação e força para a ressurreição do reino maravilhoso!
Lembras-te Torga das tuas memórias de rapaz (memórias para mim desconhecidas), quando corrias pelas fragas, esfolando os joelhos, sorvendo a dor com prazer?
Lembras-te da simplicidade das nossas gentes, dos sorrisos com que se contemplavam o nascer do sol, da luz que banhava as faces suadas pelo trabalho?
Lembras-te dos seres que enchiam de vida, montes e vales, das flores que vestiam as serras na primavera e do seu cheiro que apaziguava nossas almas?
Pois meu amigo (permite que te trate assim ò poeta transmontano) esses quadros naturais, bucólicos, campesinos, foram agora pincelados a negro, resistindo à força da mãe natureza que heroicamente luta contra as agressões dos homens. Luta agora fragilizada, pela falta do amor-dos-homens na terra que os viu parir!
Homem … ser por vezes irracional, asno, destrói a beleza do reino verde, coberto agora pelas trevas, cujas marcas o tempo demorará a sarar! Pobre natureza, que luta gloriosamente contra os gladiadores imorais que se munem de isqueiros para a agredir. Com ela fenecem almas e vidas de heróis anónimos que lutam incansavelmente, procurando anemizar-lhe as feridas.
Tombaram vários heróis, que deram suas vidas e seu sangue para conter a ira das labaredas que lambem diabolicamente teus montes.
Choro envergonhado a irracionalidade de alguns humanos …
O cheiro a queimado invade as narinas, conspurca o olfacto, poluiu o ar.
A visão turva-se perante o sentimento de perda por cada hectar queimado e por cada vida perdida.
Teu reino jaz agora parcialmente morto em cinza, queimado pelos fogos e pelas gentes que não o cuidam!
Somamos o desmazelo e a irresponsabilidade dos des (governantes) que votaram à desertificação e ao abandono o teu prodigioso berço.
Garotos mimados que brincam ao faz de conta, enquanto se adensam as labaredas que se aproximam agora da destruição alargada das terras para lá do Marão.
Não me peças para não chorar amigo Torga, visses tu de teu túmulo tão grotesco cenário e também tu chorarias as mágoas do teu reino queimado, despedaçado pelas feridas profundas provocadas pelo fogo.
Deixa-me então chorar teu reino que idolatro!
Sim! Deixa-me chorar teu reino que é também o meu!
João Salvador – 2/09/2013
Maravilhoso também é este escrito, cheio de emoção e amargura pela perda de vidas humanas e de grandes pedaços do nosso verde.
ResponderEliminarMuito bonito, este diálogo com o nosso Torga!
Adorei!
cmps
leonor
Obrigado pela visita ao Blog bem como pelos comentários. Seja sempre bem-vinda!
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