Sempre que o destino por mim destinado me
conduz ao berço, estabeleço prioridades para me deslocar a locais que
anteriormente por falta de tempo não havia visitado, usualmente onde possa
encontrar também amigos e conhecidos que procuro rever.
Dividido o tempo entre tarefas agrícolas
de apoio, na companhia do meu rebento, ao “meu pai adoptivo” – pessoa que não
sabe o que são férias, folgas ou fins-de-semana, e tardes de lazer (pessoa que
labuta freneticamente por ele e pelos seus), com intuito de rever recordações e
memórias; visitar pessoas e conversar com anciãos e familiares com quem não
privo regularmente.
Concluídas as tarefas matinais que por
esta altura foram de dedicação às vinhas, deitando-lhes a calda, após almoço o
primeiro destino teve como poiso a minha segunda aldeia do coração, Vassal.
I - Vassal/rua do Cruzeiro
Cheguei ao largo em Vassal, deparei-me com
o meu grande amigo e primo Carlos Bouça, o qual se encontrava debruçado na
varanda do seu estabelecimento. Pessoa que conheço desde os meus tempos de
infância e com o qual partilhei muitos momentos de alegria. Após um breve
diálogo inicial, dirigi-me para a rua do Cruzeiro, a qual achei bastante
deserta, com várias casas vazias, ainda que apenas a das minhas raízes seja a
mais devoluta e onde habita uma alma cuja vida nele já escasseia. Esse, meu
tio Arménio encontrei-o num estado de saúde preocupante, bastante debilitado,
tremendo e com a barriga bastante inchada o que me preocupou, apesar das suas
palavras reconfortantes e despreocupadas.
No entanto o seu estado de saúde é débil
já à bastantes anos, tendo vindo a deteriorar-se, até porque apesar das
chamadas de atenção continua a abusar de bebidas alcoólicas e a alimentação não
será a adequada, pois nesse campo sempre foi muito desleixado.
O corpo responde-lhe já pesadamente,
olhando-o eu impotente perante as maleitas que lhe açoitam o corpo e de que
padece, nada podendo fazer para o ajudar.
Vive na casa dos meus avós, uma casa que
outrora era para mim um mistério, um tesouro a explorar mas que agora jaz
abandonada sem o seu recheio, encontrando-se as lojas inferiores vazias, onde
antigamente proliferavam, porcos, galinhas e animais de raça cavalar. O lugar
onde tinha os pipos ainda existe mas estes já à muito que desapareceram, nada
existindo num lugar habitado apenas pelos fantasmas do passado que por ali
deambulam em silêncio. Tais presenças não são perceptíveis, mas causam arrepios quando pequenas
aragens de vento nos tocam na pele pelas muitas frinchas que permitem as correntes
de ar e os rugidos das portas, que ocasionalmente parecem vozes de almas
familiares que por ali caminham eternamente.
Sim os tempos de criança foram ali
passados num misto de grande júbilo e felicidade que contrasta agora com o
vazio …
A pouca luz que ainda vai rasgando
timidamente, pelas aberturas das madeiras envelhecidas, são agora
envergonhadas, arrefecendo a minha alma, aquando das visitas à casa, esfriando
as memórias de outrora, ainda que não as apagando, porque essas viverão sempre
no coração de quem as sente. No entanto o misto de tristeza e de alegria, o
descontrolo de sentimentos, esses não consigo controlar …
Após a breve visita a casa, tive
oportunidade de conversar com três resistentes que habitam ainda a rua do
Cruzeiro, as quais versaram como não podia deixar de ser sobre tempos idos; o
destino dos ali residentes, muitos já falecidos, e da sua prol.
Apesar de muitas dessas informações,
apenas terem confirmado que o tempo é implacável para todos os seres humanos;
que as páginas do destino tem um epílogo comum, o facto é que o destino assim o
reza e contra isso nada a podemos fazer … apenas recordar os sorrisos daquelas
almas que ainda habitavam as nossas memórias e honrá-las com estas humildes
palavras que aqui verto com saudades!
II – Vassal/Café Sobe e Desce
Rumei agastado pela penumbra que pairava
nas memórias passadas, libertando-me das tristezas entrei no já emblemático
café “Sobe e Desce”, explorado pelo meu primo Carlos que se situa no primeiro
andar. No andar de baixo existe uma mercearia também já com muitos anos
explorada pelos pais do Carlos. Os dois estabelecimentos estão geograficamente
bem localizados no Largo Principal em Vassal, o que seguramente será uma mais
valia para o negócio, apesar da grave crise que assola o país que em nada ajuda
os estabelecimentos comerciais.
Trata-se de um dos vários locais
existentes na localidade de Vassal, onde as suas gentes afluem para conviver,
beber, jogar as cartas ou simplesmente ver futebol – presentemente decorre o
Mundial 2014 e tive ali a oportunidade de assistir a um desses jogos, enquanto
me deleitava com um Martini regado com cerveja e com uns amendoins, flutuando
em memórias passadas de uma juventude e adolescência felizes, que versaram as
páginas já escritas e vividas da existência de um rapaz solteiro, sedento de
vida.
Naturalmente que tive a oportunidade de
divagar sobre várias temáticas, inteirando-me dos destinos de pessoas que já
não vejo á imensos anos, pois os caminhos da vida são uma encruzilhada que
muitas vezes não permitem reencontros. Além disso ninguém melhor do que o
explorador de um estabelecimento situado geograficamente no centro de Vassal,
para estar ao corrente do que por ali vai ocorrendo, o que em termos de
informação ocorre de uma forma natural!
O Carlos Bouça é também ele um resistente,
assim como o são outros residentes nas aldeias transmontanas, que se agarram à
terra como raízes inquebráveis, mantendo-se fiéis às suas origens, bebendo
diariamente da terra a seiva que lhes dá vida. Explora o café que em bom rigor
é o espelho dele próprio, a sua alma transportada para o mundo físico, mas
actual, onde nada falta, nem as novas tecnologias, estando o estabelecimento
dotado de internet com Wi-fi que permite aos clientes aceder às ao mundo
virtual no longínquo reino maravilhoso, podendo ainda ser encontrado numa
página do facebook (https://www.facebook.com/groups/448139441933930/?fref=ts).
A decoração apesar de simples é a adequada
e ao gosto dos clientes habituais, pessoas maioritariamente residentes na
aldeias ou em localidades limítrofes, tendo as suas enchentes por alturas do
verão em que os descendentes da terra regressam para matar saudades, após um
ano de labuta por terras estrangeiras.
Só um pormenor que achei curioso, foi o facto de o Carlos ter na parede interior a simbologia dos três grandes clubes nacionais, o que revela uma inteligência ímpar e respeito para com todos os adeptos das várias cores que frequentam o estabelecimento.
Só um pormenor que achei curioso, foi o facto de o Carlos ter na parede interior a simbologia dos três grandes clubes nacionais, o que revela uma inteligência ímpar e respeito para com todos os adeptos das várias cores que frequentam o estabelecimento.
Enfim uma tarde agradável, passada na
companhia de um primo que considero bastante, e que brevemente irei rever na
companhia de uma mini e de uns amendoins, pois a vida é também ela feita destes
pequenos momentos …
João Salvador – 28/06/2014
Fotos antigas que tirei em Vassal:
Outras fotos do café e do largo de Vassal da autoria do Carlos Bouça:
Fotos antigas que tirei em Vassal:
Outras fotos do café e do largo de Vassal da autoria do Carlos Bouça:
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