Os anos oitenta foram na minha infância
anos de ouro, as aldeias viviam decoradas pelos sorrisos e brincadeiras das
crianças, cujos sons percorriam os montes e vales com os seus ecos de alegria,
contagiando a própria natureza que abraçava a aldeia.
Década em que ali ainda habitavam muitos
catraios, filhos de gentes da terra, que retiravam o seu sustento dos solos que
cultivavam.
Os filhos dos lavradores frequentavam a
escola primária e quando terminavam a escolaridade grande parte deles seguiam
os estudos nas vilas onde estavam localizadas as escolas preparatórias e
secundárias, o que ainda hoje se verifica, apesar da quantidade de escolas
fechadas no interior.
Uma política cuja aposta na minha óptica
apenas contribuiu para a desertificação de uma terra muito rica culturalmente,
onde predomina a agricultura e os serviços.
Uma terra de muitos berços, onde brotaram
valores como a humildade; o espírito de entre-ajuda; o companheirismo; o
sorriso puro; a preocupação com a felicidade alheia e muitos outros.
Valores ali nascidos e nos quais os filhos
da terra os interiorizaram, bafejando com a sua educação os locais para onde
emigraram, seja para o estrangeiro seja para o litoral.
Uma política de terra queimada, onde o
fecho das escolas é a consequência natural da falta de apostas na natalidade e
na criação de condições para a criação da “canalha” (crianças).
Nessa época, era usual partir-se em
expedições domingueiras em pequenos grupos, percorrendo os caminhos agrícolas,
os lameiros e os pomares em busca de novas descobertas.
Os ninhos das aves que nidificavam; as
maçãs que se iam retirando das árvores e se comiam; os grilos capturados com
mestria e que eram depois guardados em embalagens previamente furadas para
permitir o seu canto, que se silenciava quando apanhados.
Tudo era pretexto para o entretenimento a
coberto de um sol radioso de verão, que esquentava os corpos franzinos das
crianças, convidando-os a banhos.
O suor banhava os corpos sedentos pela
frescura da orla dos rios, onde os amieiros; os carvalhos; os pinheiros e até
os negrilhos que ladeavam davam guarida a quem buscava a sua sombra.
Buscava-se na orla dos rios (locais onde
crescia a erva misturada com as flores silvestres que cobriam com o seu manto o
solo), o cheiro a terra que inundava as nossas narinas.
Um cheiro a natureza no seu estado puro,
que se purifica com as águas límpidas e translúcidas dos rios e riachos
nordestinos.
Nas memórias ainda não muito longínquas,
recordo-me como se fosse hoje os mergulhos que dávamos no “poço das pinheiras”
(por vezes noutros locais: nos moinhos, nas escadavadas, no rigueiral ou onde
houvesse um local que o proporcionasse nas descobertas dos exploradores de
fim-de-semana), um local com uma profundidade considerável e que permitia aos
mais afoito mergulhar das rochas que beijavam o rio.
Quando somos crianças não se medem os
riscos, mas a verdade é que conhecíamos bem o local e todo o fundo do leito foi
cartografado pelas memórias daqueles que antes de nós frequentavam aquele
local, indicando onde se encontravam as rochas submersas.
Os banhos ocupavam toda a tarde de
domingo, baixando o nível de energia que era reposto com algum pão que algum
mais prevenido levava numa bolsa cujo lanche havia sido preparado pela mãe.
Havia sempre solução, pois tínhamos sempre
a possibilidade de penicar uma uva mais madura que já “pintasse” ou comer
alguma fruta encontrada nos campos agrícolas, mas claro que não era suficiente
para saciar a fome, essa era combatida em casa onde se aconchegava depois o
estômago.
Não tínhamos preocupações de estética ou
de moda, cada um usava o que tinha: cuecas; calções de banho ou como ocorria
algumas vezes apenas a roupa com a qual nascemos, a pele.
Após as purgas que limpavam o corpo da
transpiração, as toalhas eram uma doce cama onde por momentos (poucos) se
apanhavam banhos de sol, que muitas vezes irrompia por entre o arvoredo,
banhando partes diferentes ao sabor do vento fresco que amenizava o calor
sufocante que muitas vezes se fazia sentir!
Essas brincadeiras de criança, no caso que
aqui afloro, os banhos no rio, eram dos maiores prazeres que os rapazes da
aldeia tinham nos finais de semana, após cumprirem uma semana de estudo e de
labuta campestre na ajuda aos seus pais.
Memórias tão puras e angelicais que causam
um saudosismo tão doce que alimenta o nosso espírito e que nos limpa de
energias negativas.
Escrevendo estas linhas, regressei ao
passado e aos banhos de verão … Certamente que estas memórias são tão comuns a
muitos de vós, mas nunca serão banais, pois cada um sentiu um verdadeiro prazer
na sua inocência e nessas brincadeiras partilhadas com amigos que em muitos
casos não mais viram, fruto do rumo das vidas …
João Salvador – 28/07/2014
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