terça-feira, 30 de julho de 2013

O humilde Lavrador

Canta o galo no alto do seu pelouro, aos primeiros sinais de claridade que anunciam o dia, despertando a aldeia.
O lavrador desperta para mais um dia de labuta nos campos. Ainda ensonado levanta-se com as pernas meio entorpecidas, mas logo segue para a cozinha onde a mulher, também desperta lhe prepara o “mata-bicho”, colocando-lhe no alforge uma côdea de pão, um bocado de presunto e vinho. O lavrador ainda em casa come uma malga de caldo, para apaziguar o estômago que complementa com pão e chouriço caseiro.
Alimentado o corpo, alimenta agora a alma orando ao seu Deus na companhia da mulher tendo previamente agradecido o alimento que ingeriu, pedindo ainda pelos seus, rogando ter um proveitoso dia de trabalho e sem sobressaltos.
Ruma à loja onde acomodou o cavalo, ao qual já havia deixado alimento na noite anterior. Restava-lhe após o animal estar devidamente alimentado, aparelha-lo com a “albarda” e tratar de ir buscar a enxada para trabalhar nos campos.


Após se despedir da “Tia Albertina”, sua digníssima mulher, montado o animal lá seguia o “Ti Manel” para a regada, passando pela aldeia já acordada, cruzando-se com o “Ti Luís” a quem distribuiu um caloroso sorriso, acenando-lhe alegremente desejando-lhe também a ele um bom dia de trabalho.


O caminho de casa para a regada levava algum tempo o qual aproveitava para meditar sobre o passado. Navegava nas suas memórias de rapaz, recordando-se dos seus pais que já haviam partido e das amarguras da vida difícil que tivera. Não só de amarguras se fez a vida, chicoteavam-lhe a memória as brincadeiras com os rapazes da aldeia, os namoros, a sua aventura pelo estrangeiro para melhorar a vida e dos seus, o casamento, o nascimento dos filhos e logo um longo sorriso lhe aflorou os lábios, surgindo-lhe um brilho no olhar que transmitiria paz a quem o observasse. Seguia nas suas cogitações e pensamentos, absorvido em si próprio quando passou junto do cemitério da aldeia. Local onde sempre dizia uma curta oração na sua passagem, recordando com amor os seus ente-queridos que já haviam partido mas que viveriam sempre no seu coração humilde.
Chegado ao campo, os primeiros raios de sol começavam a rasgar os céus, num dança fantasmagórica, tornando-o um cenário de uma beleza sentida, que lhe penetrava pela alma, fazendo-o levitar de prazer perante a exuberância da natureza.
Aproveitando a frescura da manhã, prendeu o cavalo a uma oliveira deixando-o a pastar numa parcela de terreno onde a erva tenra era abundante, pois era banhada e acariciada pelas águas que provinham de um tanque onde a mesma era armazenada. Logo tratou de abrir o tanque, jorrando a água por um tubo até ao campo onde tinha plantado os produtos hortícolas, que usava na sua alimentação diária. A água beijava a terra refrescando-a num enlace que faz lembrar o dos amantes, que se amam fundindo-se num só. Tudo era arrastado pela água que passava pelos regos, com maior frequência pequenos detritos e insetos. Sempre que a terra bloqueava os regos o “Ti Manel” logo tratava de a retirar para que a água corresse livremente até ao final de cada rego de batatas ou de feijões.
Terminada essa tarefa e depois de ter fechado novamente o fluxo da água proveniente do tanque, era hora de “matar o bicho”. Comeu vigorosamente a côdea do pão com um bocado de presunto que cortou com a navalha e bebeu um bom trago de vinho, revigorando-se.
Agora havia que voltar ao trabalho, passando ao corte de erva tenra para levar para casa. Erva que serviria para alimentar o cavalo, seu fiel companheiro nas labutas do campo. Depois de ir buscar o gadanho ao cabanal, dedicou-se ao corte da erva que rapidamente amontou e repartiu em três molhos. Terminados os trabalhos que nessa manhã pretendia fazer era hora de carregar o animal com os molhos de erva, o que fez com recurso a cordas e ao arrocho, apertando bem a carga equilibrando-a para não cair.
Hoje não trouxe a carroça pois a lenha ainda não tinha sido partida, nem os toros rachados, o que ficaria para o dia seguinte. Teria que fazer molhos de modo a que os pudesse depois carregar na carroça.
O regresso fá-lo-ia a pé, seguindo pela rédea com o cavalo carregado pelos molhos de erva, percorrendo a subida desde a regada até ao cimo da ladeira. Um caminho com algumas pedras soltas ladeado por giestas e outros terrenos de cultivo, principalmente oliveiras, vinha e amendoeiras.
Era ainda cedo, mas o sol começava a apertar o cerco, fazendo com que os poros do corpo libertasse freneticamente água para se refrescar, transpirando.
Finalmente chegado a casa, descarregou a carga que acondicionou na loja e retirou a albarda ao cavalo, o qual levou ao tanque comunitário onde este bebeu água fresca.
Havia assim terminado as tarefas do campo nessa manhã, mas logo outras se seguiriam no final do dia, mais pela fresca, pois a vida do lavrador é dura e contínua …


João Salvador – 30/07/2013

Fotos: Paulo Alves

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