segunda-feira, 28 de julho de 2014

Episódios da meninice II – Banhos de Domingo


Os anos oitenta foram na minha infância anos de ouro, as aldeias viviam decoradas pelos sorrisos e brincadeiras das crianças, cujos sons percorriam os montes e vales com os seus ecos de alegria, contagiando a própria natureza que abraçava a aldeia.
Década em que ali ainda habitavam muitos catraios, filhos de gentes da terra, que retiravam o seu sustento dos solos que cultivavam.
Os filhos dos lavradores frequentavam a escola primária e quando terminavam a escolaridade grande parte deles seguiam os estudos nas vilas onde estavam localizadas as escolas preparatórias e secundárias, o que ainda hoje se verifica, apesar da quantidade de escolas fechadas no interior.
Uma política cuja aposta na minha óptica apenas contribuiu para a desertificação de uma terra muito rica culturalmente, onde predomina a agricultura e os serviços.
Uma terra de muitos berços, onde brotaram valores como a humildade; o espírito de entre-ajuda; o companheirismo; o sorriso puro; a preocupação com a felicidade alheia e muitos outros.
Valores ali nascidos e nos quais os filhos da terra os interiorizaram, bafejando com a sua educação os locais para onde emigraram, seja para o estrangeiro seja para o litoral.
Uma política de terra queimada, onde o fecho das escolas é a consequência natural da falta de apostas na natalidade e na criação de condições para a criação da “canalha” (crianças).
Nessa época, era usual partir-se em expedições domingueiras em pequenos grupos, percorrendo os caminhos agrícolas, os lameiros e os pomares em busca de novas descobertas.
Os ninhos das aves que nidificavam; as maçãs que se iam retirando das árvores e se comiam; os grilos capturados com mestria e que eram depois guardados em embalagens previamente furadas para permitir o seu canto, que se silenciava quando apanhados.
Tudo era pretexto para o entretenimento a coberto de um sol radioso de verão, que esquentava os corpos franzinos das crianças, convidando-os a banhos.
O suor banhava os corpos sedentos pela frescura da orla dos rios, onde os amieiros; os carvalhos; os pinheiros e até os negrilhos que ladeavam davam guarida a quem buscava a sua sombra.
Buscava-se na orla dos rios (locais onde crescia a erva misturada com as flores silvestres que cobriam com o seu manto o solo), o cheiro a terra que inundava as nossas narinas. 
Um cheiro a natureza no seu estado puro, que se purifica com as águas límpidas e translúcidas dos rios e riachos nordestinos.


Nas memórias ainda não muito longínquas, recordo-me como se fosse hoje os mergulhos que dávamos no “poço das pinheiras” (por vezes noutros locais: nos moinhos, nas escadavadas, no rigueiral ou onde houvesse um local que o proporcionasse nas descobertas dos exploradores de fim-de-semana), um local com uma profundidade considerável e que permitia aos mais afoito mergulhar das rochas que beijavam o rio.
Quando somos crianças não se medem os riscos, mas a verdade é que conhecíamos bem o local e todo o fundo do leito foi cartografado pelas memórias daqueles que antes de nós frequentavam aquele local, indicando onde se encontravam as rochas submersas.
Os banhos ocupavam toda a tarde de domingo, baixando o nível de energia que era reposto com algum pão que algum mais prevenido levava numa bolsa cujo lanche havia sido preparado pela mãe.
Havia sempre solução, pois tínhamos sempre a possibilidade de penicar uma uva mais madura que já “pintasse” ou comer alguma fruta encontrada nos campos agrícolas, mas claro que não era suficiente para saciar a fome, essa era combatida em casa onde se aconchegava depois o estômago.
Não tínhamos preocupações de estética ou de moda, cada um usava o que tinha: cuecas; calções de banho ou como ocorria algumas vezes apenas a roupa com a qual nascemos, a pele.
Após as purgas que limpavam o corpo da transpiração, as toalhas eram uma doce cama onde por momentos (poucos) se apanhavam banhos de sol, que muitas vezes irrompia por entre o arvoredo, banhando partes diferentes ao sabor do vento fresco que amenizava o calor sufocante que muitas vezes se fazia sentir!
Essas brincadeiras de criança, no caso que aqui afloro, os banhos no rio, eram dos maiores prazeres que os rapazes da aldeia tinham nos finais de semana, após cumprirem uma semana de estudo e de labuta campestre na ajuda aos seus pais.
Memórias tão puras e angelicais que causam um saudosismo tão doce que alimenta o nosso espírito e que nos limpa de energias negativas. 
Escrevendo estas linhas, regressei ao passado e aos banhos de verão … Certamente que estas memórias são tão comuns a muitos de vós, mas nunca serão banais, pois cada um sentiu um verdadeiro prazer na sua inocência e nessas brincadeiras partilhadas com amigos que em muitos casos não mais viram, fruto do rumo das vidas …

João Salvador – 28/07/2014

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Comportamento humano



  

Os anos vão passando e a deterioração da sociedade segue a passos largos para um abismo sem retorno. Não vou aqui voltar a falar na perda de valores que está à vista de todos nós, apenas constatar o que todos já conhecem – o egocentrismo, o interesse apenas pelo “eu”; pelos interesses próprios mesmo que com prejuízo para familiares; amigos ou colegas de trabalho.
É gritante a forma desrespeitosa, vergonhosa e de falta de camaradagem que alguns seres humanos, se é assim que se podem chamar, aqueles que sem qualquer pejo passam por cima de tudo e de todos, prejudicando vidas de terceiros que possuem também estes vida pessoal, olhando apenas e tão só para o seu umbigo.
O mais alarmante é a dualidade de critérios verificada de maneira grotesca por aqueles que têm a responsabilidade de travar tais abusos, mas que não o fazer por razões que ultrapassam por vezes o entendimento de quem tenta perceber tais atitudes, mas obviamente não as pode aceitar.
Vive-se num mundo de atropelos, onde vale tudo, mesmo prejudicar pessoas que são leais e buscam o bom ambiente, seja ele laboral, emocional, familiar ou de outra índole!
Ressalvo aqui que todos possuem uma identidade e personalidade própria e que naturalmente é necessário adaptação ao modo de ser e de estar de cada um (todos erram – uma vez entende-se e pode aceitar-se como não premeditado desde que não planeado), mas para isso é necessário diálogo e entendimento entre todos!
Essas pessoas tomam esse tipo de atitudes conscientes e sabendo que prejudicam terceiros, sem estarem preocupados que possa ou não ter repercussões graves, ou menos graves – isso é o que menos importa, passeando-se altivamente como se nada fosse lançando sorrisos de hipocrisia que roçam o nojo, transformando tais seres em fantasmas asquerosos, seres a evitar, o que acaba por destrui amizades e camaradagem entre colegas de trabalho.
A lealdade e a camaradagem devem ser cultivadas por todos, no entanto tal está em decrescente e cada um olha apenas para o seu nariz.
Aqueles que procuram uma boa relação interpessoal e são frontais enfrentam um jorro de críticas daqueles que vivem da hipocrisia, exigindo aos outros aquilo que não praticam, mudando as regras a seu belo prazer, assessorados por quem devia travar atitudes menos recomendáveis. Acompanha por vezes essa hipocrisia um cinismo bajulador que faz perder a paciência a um santo.

Como se costuma dizer, o ser humano habitua-se a todos os ambientes hostis, no entanto também se sabe que todo o ser humano tem o seu limite, quando assiste a injustiças que o assistem a si ou a outros, pois felizmente ainda existem aqueles que procuram o bem comum e não apenas o seu bem-estar pessoal.
A sanidade mental é afectada por todos estes episódios diários que se vão acumulando até à exaustão da paciência de qualquer um, tendo picos de “loucura” que levam à pronuncia de palavras menos abonatórias aos escroques que intencionalmente prejudicam aqueles que muitas vezes lhe dão de “comer” e os apoiam.
Que raio de sociedade é esta? Estamos rodeados de bajuladores, idolatradores de líderes decadentes; hipócritas com ares de superioridade e de bem saber; seres rastejantes que sorvem o mérito alcançado não pelo que produzem mas pelo que conseguem subtrair ao hospedeiro; por indivíduos que omitem a sua verdadeira natureza comportamental, enfim … apetece dizer Puta que pariu esta sociedade decrépita, e peço sinceras desculpas por este impropério mas ás vezes é preciso gritar contra estes filhos de uma mãe que os gerou no ventre com amor, mas cujo veneno criado nos seus corpos lhes matou o pingo de respeito que deveriam ter pelos outros e principalmente por eles próprios, pois a dignidade à muito que a perderam.

Fica o desabafo de mais um entre muitos insatisfeitos com o rumo que leva a caravela do comportamento humano …


João Salvador – 18/07/2014

domingo, 13 de julho de 2014

Licores Caseiros

Vou hoje falar de licores produzidos por um particular perto da minha área de residência. Ainda que não se trate de um produto feito por gentes do Norte (o nosso país é muito rico no seu todo - ainda que pouco aproveitado nas suas potencialidades).
Mais uma vez tive o prazer de visitar uns bons amigos na localidade de Maceda - Ovar. A Sr.ª Carmelinda e o Sr. Joaquim são pessoas que muito estimo, já reformadas que dividem o seu tempo a cuidar do quintal de onde retiram os produtos hortícolas e outros alimentos para o seu sustento diário, servindo como complemento. 
Ali podem encontrar-se desde árvores de fruto; couves, repolho, batatas e ainda pequenos animais domésticos destinados a alimentação, nomeadamente coelhos e galinhas.
São pessoas que durante toda a vida conseguiram a casa que habitam com o suor do seu trabalho, mãos calejadas e costas dobradas que não quebraram, mas que sentem agora o peso dos anos. Bem merecem o descanso de tantos anos de labuta …
O que eu desconhecia era os dotes do filho mais novo, o Telmo, exíguo cozinheiro que se dedica nos seus poucos tempos livres a fazer rissóis para vender para fora de uma qualidade muito apreciável e acima da média daqueles que comemos nos cafés e restaurantes.
O Telmo, convidou-me a experimentar umas bebidas inovadoras que estava a aperfeiçoar, no caso vários tipos de licores de chocolate, limão, café, ervas e outras variedades que desconhecia – diga-se que nunca fui muito apreciador de licores, mas rendi-me ao seu agradável trago.
Segundo me disse alguns levam uma base de aguardente e depois trata de acrescentar outros produtos. Uma coisa é certa, são bastante agradáveis e bebíveis pelo que os recomendo vivamente. 
Admiro acima de tudo pessoas empreendedoras como o Telmo, pessoa bastante humilde e simpática que não baixa os braços perante as adversidades, a quem desejo muita sorte na sua vida pessoal e profissional!

João Salvador – 13/07/2014


Fotos dos licores:

Página do Telmo: https://www.facebook.com/telmorafael.dias?fref=ts

domingo, 6 de julho de 2014

Pontos de encontro II - Valpaços

I-Introdução

Na década de 80/90, caminhava diariamente até às escadavadas, independentementemente das condições meteorológicas, percorrendo os cerca de dois quilómetros que separavam o berço do meu nascimento até à paragem do autocarro situado na Estrada Nacional 206, estrada que liga o município a Carrazedo de Montenegro.
Rumava sempre acompanhado de outros colegas que comigo frequentavam a Escola, sempre feliz pelo facto de apesar de tudo, a vida ter permitido a este filho da “Clara Moleira” continuar os estudos e ter um futuro mais promissor.
Infelizmente nem todos os seus filhos tiveram essa oportunidade, sendo obrigados desde muito novos a trabalhar, auxiliando no sustento da família, seguindo mais tarde para destinos além-fronteiras, onde fizeram as suas vidas.
Malogradamente o destino ceifou-lhe um filho prematuramente quando este regressava do Cancelo no ciclomotor de marca Famel, modelo XF 17 de 50 CC, quando teve um encontro com a morte que o levou prematuramente para o além!
Dessa dor nunca se conseguiu libertar e guardou com ela até à sua própria morte uma dor tão intensa que a fazia curvar-se sob o jugo do peso do destino! A luz do seu olhar já de si sofrido pela perca prematura do homem com quem casou, ofuscou-se por completo, vestindo-a de negro durante toda a sua vida, perdendo o sorriso que apenas brevemente se lhe viu ocasionalmente com o nascimento dos netos que a visitavam anualmente.
Teve depois rasgos e alguns picos de felicidades com o nascimento da neta que foi também sua filha, mas que por circunstâncias da vida lhe foi arreigada dos braços, mercê dos graves problemas de saúde de que foi padecendo e que a levaram ao último descanso.

II-Tempos de estudante

Muito mudou desde essa época na então Vila, agora cidade de Valpaços, localidade onde passei grande parte do meu início de vida. Não tenho a percepção de quantos estudantes deambulavam por ali diariamente no período escolar, repartidos entre a Escola Preparatória e a Escola Secundária. 
(Escola Secundária de Valpaços - Foto Albérico Moura)

(Escola Preparatória - Foto Albérico Moura)

No entanto à data polvilhavam os jardins, os cafés, as escolas, muitos jovens estudantes apaixonados pela vida, absorvidos pelas suas amizades, paixões, amores e desamores da juventude, tudo próprio de adolescentes sonhadores que querem conquistar um lugar no mundo adulto e afirmar-se um dia no mercado de trabalho. À data queriam afirmar-se mais nas suas conquitas e nos seus amores, certamente, muitas vezes esquecendo a importância dos estudos, mas o sangue quente e as paixões tinham o seu peso e nada fácil de controlar.
Vários estabelecimentos como é o caso do “MAI TAI” que era explorado pelo meu amigo Diogo, cujo paradeiro desconheço (encontrei-o em Lisboa à anos e posteriormente em Valpaços); o “White Worse”; a discoteca “Guedes” e outros já não existem, mas foram substituídos agora por outros, que naturalmente não possuem no seu espaço físico cantos que preencham as minhas memórias, já que ali não as havia semeado. Isto ao contrário dos outros que referi, onde passei muitas horas da minha vida de estudante, principalmente quando frequentava o décimo-segundo ano de escolaridade, visto que tinha apenas três disciplinas (Filosofia; Geografia e História), ou seja vida de lorde!
(Discoteca Guedes - Foto Albérico Moura)

Apesar de me considerar um jovem tímido e absolutamente normal, igual a tantos outros da minha idade, tive as minhas paixões e os meus namoros, sofri as minhas desilusões mas provei também o gosto da felicidade e da partilha de sentimentos. Não faria qualquer sentido fazer alusão a namoros do passado, seria deselegante, mas desses tenho pessoas muito amigas e nalguns casos, as quais já revi, estando em todos os casos bem de vida o que me deixa bastante feliz. Nesse período, como noutros, as curvas sinuosas dos sentimentos pregam-nos partidas e existem atitudes menos próprias; palavras ditas; gestos; posturas ou outras atitudes que agora friamente analisamos e sabemos não terem sido as correctas. Mas ora, não somos todos seres imperfeitos que amamos, sorrimos, choramos e erramos? Pois assim o foi comigo. Os sentimentos são mutáveis como o foram á data e não foi agradável magoar uma mulher, principalmente uma adolescente como o era eu sedenta de sonhos, uma mulher que buscava o seu príncipe perfeito que a faria feliz por uma vida. Em vez disso após cerca de um ano de namoro viu alguém a descartá-la, tentando explicar-te atabalhoadamente que os sentimentos mudam. Talvez a inexperiência de acalmar um coração rejeitado e ferido tenha feito com que o amor se tenha tornado em amargura que a levaram a deixar de me dirigir a palavra. Como disse são cenas pitorescas de dois adolescentes imaturos que tudo queriam da vida e nada dela sabiam. O que se sabe da vida verdadeiramente aos 16/17 anos? 
(Escola Secundária de Valpaços - com colegas da turma)

(Vasco, Paulo Jorge, João e chico - Na escola)

É no entanto destas pequenas tropelias, troca de experiências e vivência que se constrói uma vida e o futuro e foi precisamente nesses tempos que conheci a namorada/mulher com quem partilho a vida …


III-Redes sociais

A proliferação das redes sociais, como todos sabemos podem ter efeitos adversos e maléficos na juventude, transformando relações pessoais em relações virtuais, onde através do teclado tudo se diz sem complexos, ou onde a falta de contacto pessoal não permite olhar olhos nos olhos quem pronuncia as palavras, perdendo-se o timbre da voz ou o modo como é pronunciada, escondendo ainda o reflexo ocular dos interlocutores, apesar de existirem meios virtuais que permitem a visualização, mas nem assim deixa de tratar-se de meios artificiais que conspurcam e criam uma barreira entre as pessoas.
Não obstante, possuem essas mesmas redes sociais extraordinárias vantagens a quem as usa, encurtando distâncias; permitindo reencontros e interacção, desde que se passe do virtual para o pessoal. Tive já oportunidade de reencontrar uma panóplia de amigos, cujas amizades julgava engolidas pelas névoas do tempo, agora resgatadas, amigos com quem já não privava desde a minha juventude a alguns até desde a minha infância, com os quais tenho agora a possibilidade de contactar apenas à distância de um clique. Graças a estes meios participei já num encontro de amigos de uma das turmas a que pertenci da Escola Secundária; desloquei-me a vários locais onde revi amigos e colegas agora com a vida formada e com profissões tão diferentes como Polícias; Militares; Operários da construção Civil; Assistentes Sociais; Engenheiros; Advogados; Professores, todos eles na sua essência imutáveis na sua personalidade interior, apenas, como eu conquistados pelo tempo, cujo cinzel esculpiu rugas ainda não muito percetíveis, esculpiu barrigas; eliminou cabelo fazendo nascer em seu lugar autênticas clareiras, mas brindou-nos com filhos, esposas, novos amigos, novas vidas … umas mais felizes que outras, mas no fundo o importante é o bem-estar comum. Quem assim não pensa é hipócrita e pensa apenas no seu umbigo …


IV-Blues Bar
(Vista exterior - Foto Albérico Moura)

(Foto Albérico Moura)

(Interior do estabelecimento - foto da página do facebook)

Estive nestes últimos dias de Junho, como o havia dito no município, tendo aproveitado para conhecer alguns bares que me foram apresentados precisamente pelas redes sociais, um dos quais me havia sido indicado pela Mize, neste caso o Blues Bar. Encontrei nele um ambiente agradável e até familiar, estando o mesmo dotado de dois LCD um de maiores dimensões que nesta altura para deleite dos muitos aficionados permite a visualização dos jogos de futebol na companhia dos amigos e de umas bebidas frescas. A decoração bastante aprazível foi de um gosto notável pelo que nada fica a dever a muitos bares que se encontram nas grandes cidades. Desde logo à entrada do lado esquerdo encontra-se uma mesa dotada de um sofá, um recanto mais resguardado que permite conversas mais reservadas e uma maior privacidade para quem a busca. O balão estende-se até uma divisória que dá acesso às casas de banho, e a dependências exclusivas para os trabalhadores. As estantes adornadas pelas bebidas, são bafejadas por muita luz artificial, e os bancos altos, encostados ao balcão permitem uma maior interação entre os clientes e os empregados, colocando-os numa maior proximidade complementada pela simpatia de quem ali trabalha.
O espaço está dividido através de uma arcada em madeira e de um corrimão também desse material, acedendo-se ao local onde se encontravam várias mesas e ainda duas máquinas de jogos, uma das quais de setas. Achei curioso que uma dessas máquinas possui muitos jogos tipo “ARCADE” que eram muito apreciados na década de 80/90 e foi até motivo de conversa entre mim e o João Alves.
Reviveram-se aqueles momentos em que a vontade de terminar o jogo era tanta que se gastavam as parcas moedas que tínhamos depositado nos bolsos e que deveriam ter outro destino. Uma boa aposta da gerência, pois pelo que vi permite aceder a jogos diferentes e aqueles saudosistas permite gastar umas moedas e recordar aqueles pequenos prazeres.
O espaço apesar de ser pequeno está muito bem aproveitado, devidamente sinalizado cumprindo as normas gerais. Além do pormenor dos candeeiros na parede que iluminam uma imagem do Big-Ben de Londres caprichosamente inclinado o que o faz sobressair e o realça, assim como as restantes figuras bem escolhidas e apropriadas à decoração, suspeitando que tenha aqui uma mão feminina.
A Música é também ela agradável, colocada num volume audível mas que permite conversar. Algo que apreciei são as temáticas e as festas periódicas, eventos divulgados localmente e através da internet.
Fui-me perdendo nas horas, permanecendo-me naquele espaço, ora conversando ora vendo vários jogos do mundial, isto nas várias deslocação que ali fiz durante as curtas férias.


V-Caminho errante

Tive a oportunidade de após 16 anos, conversar com um amigo da minha infância, cujo nome por respeito não cito, que escolheu uma vida errante e problemática, mercê à data de influências menos próprias de alguém que em nada ajudava quem o acompanhava, antes pelo contrário, destruiu muita juventude. Mas também me permitiu escolher um caminho certo, aprendendo com os erros deles.
Ao rever esse amigo cuja vida também castigou, retirando o sopro de vida do pai que era em bom rigor o único que lhe incutia disciplina, senti uma mágoa muito forte, pois ninguém deseja o sofrimento alheio – pelo menos não o deveriam. Esse amigo deambulou durante anos na companhia de outros, por um inferno que o conduziu ao mundo das drogas e que apenas lhe trouxe dissabores, rejeição, destruição e o conduziram à prisão. A sua juventude foi consumida pela obsessão da busca pela próxima dose, da satisfação de um vício que apenas conseguia satisfazer através de expedientes. Considero que este e outros amigos pesaram na escolha da minha profissão, tornando-me mais maduro, ponderado e acima de tudo muito mais humano e sensível a pessoas que como ele são filhos e amigos de alguém e que apesar de tudo devem ser ajudados por uma sociedade que muitas vezes os rejeita e não lhes dá uma oportunidade de endireitarem a vida.
Foi o caso deste meu amigo que é um exemplo de más escolhas que viu em pessoas de personalidades doentias um líder de alcateia que os conduziu a uma floresta de perdição, onde alguns sucumbiram à morte, provocada pela busca incessante da próxima dose de droga.
Um trajecto de vida cheio de sobressaltos, mas que me serve a mim; a ele e a todos nós como páginas de uma vida errante, escritas em sofrimento e acima de tudo de aprendizagem.
Aquela história de vida gravada num corpo maltratado pelos anos de consumos desenfreados; de loucura e de vícios maléficos são para mim apenas mais uma das muitas páginas já conhecidas de um capítulo repetido que muitas vezes vejo na minha vida diária e que nunca deixa de me preocupar, pois por mais que veja esses seres com as almas esfarrapadas e perdidos nas suas próprias cogitações, nunca me irei habituar a tal.
A aprendizagem vertida em tais capítulos de muitas vidas dilaceradas, não chegam infelizmente para muitos dos jovens aprenderem com essas letras escritas com sentimentos de mágoa; dor e sangue, o que é preocupante! Deveria ser um ensinamento aprendido através dessas histórias de arrependimento, cujos autores principais choraram lágrimas não teatrais mas reais e sentidas, caídas abruptas de rostos feridos, sugados por vis demónios que lhes perseguem a mente conturbada, mas cientes das más escolhas que lhes selaram o destino do qual dificilmente sem ajuda conseguem fugir.
No meu papel de ser humano, arroguei-me no dever de pronunciar palavras reconfortantes, de incentivo à reconstrução da sua vida, ao apelo pela dignidade; à auto-estima e ao esforço para combater o hospedeiro que lhe dilacerou a existência!
Sei por experiência que as palavras só por si não são suficientes, mas espero que tenham pelo menos algum efeito na sua consciência e o possam ajudar de alguma forma.
Pelo menos serviu para purgar um pouco a minha própria alma, na busca incessante pelo bem-comum.
Seguia já tardia a hora, mas o local aprazível haviam-me retido nas suas doces malhas onde revi memórias e velhas amizades…


João Salvador – 05/07/2014 

Outras fotos de Valpaços da autoria de Albérico Moura:


(Câmara Municipal de Valpaços)

(Jardim Público)





Outras fotos de Valpaços da autoria de Mize Lopes (Blues Bar):


Localização do Blues Bar - Valpaços


  









sábado, 5 de julho de 2014

Pontos de encontro I - Vassal

Sempre que o destino por mim destinado me conduz ao berço, estabeleço prioridades para me deslocar a locais que anteriormente por falta de tempo não havia visitado, usualmente onde possa encontrar também amigos e conhecidos que procuro rever.
Dividido o tempo entre tarefas agrícolas de apoio, na companhia do meu rebento, ao “meu pai adoptivo” – pessoa que não sabe o que são férias, folgas ou fins-de-semana, e tardes de lazer (pessoa que labuta freneticamente por ele e pelos seus), com intuito de rever recordações e memórias; visitar pessoas e conversar com anciãos e familiares com quem não privo regularmente.
Concluídas as tarefas matinais que por esta altura foram de dedicação às vinhas, deitando-lhes a calda, após almoço o primeiro destino teve como poiso a minha segunda aldeia do coração, Vassal.


I - Vassal/rua do Cruzeiro
(Foto Carlos Bouça - rua do Cruzeiro)

Cheguei ao largo em Vassal, deparei-me com o meu grande amigo e primo Carlos Bouça, o qual se encontrava debruçado na varanda do seu estabelecimento. Pessoa que conheço desde os meus tempos de infância e com o qual partilhei muitos momentos de alegria. Após um breve diálogo inicial, dirigi-me para a rua do Cruzeiro, a qual achei bastante deserta, com várias casas vazias, ainda que apenas a das minhas raízes seja a mais devoluta e onde habita uma alma cuja vida nele já escasseia. Esse, meu tio Arménio encontrei-o num estado de saúde preocupante, bastante debilitado, tremendo e com a barriga bastante inchada o que me preocupou, apesar das suas palavras reconfortantes e despreocupadas.
No entanto o seu estado de saúde é débil já à bastantes anos, tendo vindo a deteriorar-se, até porque apesar das chamadas de atenção continua a abusar de bebidas alcoólicas e a alimentação não será a adequada, pois nesse campo sempre foi muito desleixado.
O corpo responde-lhe já pesadamente, olhando-o eu impotente perante as maleitas que lhe açoitam o corpo e de que padece, nada podendo fazer para o ajudar.
Vive na casa dos meus avós, uma casa que outrora era para mim um mistério, um tesouro a explorar mas que agora jaz abandonada sem o seu recheio, encontrando-se as lojas inferiores vazias, onde antigamente proliferavam, porcos, galinhas e animais de raça cavalar. O lugar onde tinha os pipos ainda existe mas estes já à muito que desapareceram, nada existindo num lugar habitado apenas pelos fantasmas do passado que por ali deambulam em silêncio. Tais presenças não são perceptíveis, mas causam arrepios quando pequenas aragens de vento nos tocam na pele pelas muitas frinchas que permitem as correntes de ar e os rugidos das portas, que ocasionalmente parecem vozes de almas familiares que por ali caminham eternamente.
Sim os tempos de criança foram ali passados num misto de grande júbilo e felicidade que contrasta agora com o vazio …
A pouca luz que ainda vai rasgando timidamente, pelas aberturas das madeiras envelhecidas, são agora envergonhadas, arrefecendo a minha alma, aquando das visitas à casa, esfriando as memórias de outrora, ainda que não as apagando, porque essas viverão sempre no coração de quem as sente. No entanto o misto de tristeza e de alegria, o descontrolo de sentimentos, esses não consigo controlar …
Após a breve visita a casa, tive oportunidade de conversar com três resistentes que habitam ainda a rua do Cruzeiro, as quais versaram como não podia deixar de ser sobre tempos idos; o destino dos ali residentes, muitos já falecidos, e da sua prol.
Apesar de muitas dessas informações, apenas terem confirmado que o tempo é implacável para todos os seres humanos; que as páginas do destino tem um epílogo comum, o facto é que o destino assim o reza e contra isso nada a podemos fazer … apenas recordar os sorrisos daquelas almas que ainda habitavam as nossas memórias e honrá-las com estas humildes palavras que aqui verto com saudades!


II – Vassal/Café Sobe e Desce
(Fotos Carlos Bouça - Vista exterior do café)

(Fotos Carlos Bouça - Vista interior do café)

Rumei agastado pela penumbra que pairava nas memórias passadas, libertando-me das tristezas entrei no já emblemático café “Sobe e Desce”, explorado pelo meu primo Carlos que se situa no primeiro andar. No andar de baixo existe uma mercearia também já com muitos anos explorada pelos pais do Carlos. Os dois estabelecimentos estão geograficamente bem localizados no Largo Principal em Vassal, o que seguramente será uma mais valia para o negócio, apesar da grave crise que assola o país que em nada ajuda os estabelecimentos comerciais.
Trata-se de um dos vários locais existentes na localidade de Vassal, onde as suas gentes afluem para conviver, beber, jogar as cartas ou simplesmente ver futebol – presentemente decorre o Mundial 2014 e tive ali a oportunidade de assistir a um desses jogos, enquanto me deleitava com um Martini regado com cerveja e com uns amendoins, flutuando em memórias passadas de uma juventude e adolescência felizes, que versaram as páginas já escritas e vividas da existência de um rapaz solteiro, sedento de vida.
Naturalmente que tive a oportunidade de divagar sobre várias temáticas, inteirando-me dos destinos de pessoas que já não vejo á imensos anos, pois os caminhos da vida são uma encruzilhada que muitas vezes não permitem reencontros. Além disso ninguém melhor do que o explorador de um estabelecimento situado geograficamente no centro de Vassal, para estar ao corrente do que por ali vai ocorrendo, o que em termos de informação ocorre de uma forma natural!
O Carlos Bouça é também ele um resistente, assim como o são outros residentes nas aldeias transmontanas, que se agarram à terra como raízes inquebráveis, mantendo-se fiéis às suas origens, bebendo diariamente da terra a seiva que lhes dá vida. Explora o café que em bom rigor é o espelho dele próprio, a sua alma transportada para o mundo físico, mas actual, onde nada falta, nem as novas tecnologias, estando o estabelecimento dotado de internet com Wi-fi que permite aos clientes aceder às ao mundo virtual no longínquo reino maravilhoso, podendo ainda ser encontrado numa página do facebook (https://www.facebook.com/groups/448139441933930/?fref=ts).
A decoração apesar de simples é a adequada e ao gosto dos clientes habituais, pessoas maioritariamente residentes na aldeias ou em localidades limítrofes, tendo as suas enchentes por alturas do verão em que os descendentes da terra regressam para matar saudades, após um ano de labuta por terras estrangeiras.
Só um pormenor que achei curioso, foi o facto de o Carlos ter na parede interior a simbologia dos três grandes clubes nacionais, o que revela uma inteligência ímpar e respeito para com todos os adeptos das várias cores que frequentam o estabelecimento.
Enfim uma tarde agradável, passada na companhia de um primo que considero bastante, e que brevemente irei rever na companhia de uma mini e de uns amendoins, pois a vida é também ela feita destes pequenos momentos …

João Salvador – 28/06/2014


Fotos antigas que tirei em Vassal:



Outras fotos do café e do largo de Vassal da autoria do Carlos Bouça: 
















quarta-feira, 2 de julho de 2014

Ícones da aldeia

I - O Virgílio 

Desde sempre habitam nas minhas memórias aquelas figuras míticas, que fazem já parte da própria aldeia e até da sua cultura, sendo estes livros escritos de outros tempos.
Tive o prazer de reencontrar o Virgílio, figura intemporal da aldeia e com quem ocasionalmente privo. Os anos não lhe perdoaram, como não poupam ninguém na sua escalada para a velhice. Um homem que vive sozinho, com as suas amarguras, mas seguramente feliz com a vida que ostenta, pois nunca foi um homem de nariz empinado, mas sim o que de mais humilde pode ser encontrado por aquelas paragens.
Trata-se de alguém que vive apegado às suas raízes que brotam os seus sentimentos naquela terra que é também o seu berço. Foi sempre uma figura muito acarinhada, um homem íntegro, que fugia da maledicência e da intriga que prolifera por todo o lado, pois todos somos diferentes, pensamos e sentimos de maneira diferente.
Faz parte do cardápio turístico e presencial de uma aldeia que vai perdendo a sua identidade que se escoa com o emagrecimento populacional de uma aldeia que outrora teve uma vida rural muito activa e com muita juventude. Tempos em que ainda se faziam bailes no café do Senhor Eduardo e da Senhora Maria que por força da vida deixaram de explorar o estabelecimento.

II – O João e o Zé

Recentemente mais duas almas foram tragadas pelas trevas que enublaram a pacatez da aldeia, cobrindo de luto a família de residentes da aldeia.
Atravessaram o rio da morte com auxílio do barqueiro a quem não terão pago de bom grado tal viagem. Primeiro foi o Zé, logo acompanhado dias depois pelo João que não aguentou a dor visceral de perder o irmão, sendo deste muito dependente. Um vazio habita agora na casa com as dependências amorfas e sem pingo de vida. Foi esse cantinho que habitaram desde que me conheço, agora ocupado por um silêncio entristecido, com cheiro a morte, que se entranhou naquela casa e noutras que viram as almas dos seus habitantes partir.  
Recordo-me com saudade das suas feições, dos seus sorridos e da sua educação para comigo, apesar de se tratarem de pessoas humildes perante a vida. Quanto ao João falava pouco e tinha alguns problemas que lhe limitavam o contacto com as gentes, pelo menos dos tempos que com ele privei foi essa a impressão que me causou. Foram homens rústicos, trabalhadores do campo, cumprindo as tarefas que os campos exigiam, deslocando-se a pé para os terrenos na aldeia e para outros da aldeia vizinha – Vassal.

III- Conclusão
Todos eles são ou foram postais ilustrados de uma vida pacata e pachorrenta que corre sem pressas e que bem descrevem o rosto de uma aldeia que já viveu tempos de prosperidade. Apesar das várias intervenções ali levadas a efeito, muitas revelaram-se desastrosas e dúbias na minha modesta opinião e que levantam muitas questões éticas e deontológicas de algumas gentes menos humildes e a quem a verdade foge para um canto, escondida em malabarismos sombra de atitudes menos próprias.
Mas isso não importa para esta crónica, pois o que pretendo é homenagear os acima visados que merecem toda a minha estima.
São aliás memórias que valem a pena recordar e alimentar sempre que é possível! Felizmente no caso do Virgílio apesar de ser um fumador inveterado, temos ainda o prazer de o ter no mundo dos vivos e que tal se verifique por muitos e bons anos. 
Como disse revi-o, numa manhã de final de Junho do ano corrente, quando me deslocava para o Vale do Silêncio para velar pela alma dos ente-queridos que já partiram.
Quanto ao Virgílio, esse continua a ser quem é … ele próprio!


João Salvador – 28/06/2014