quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Aldeias do concelho de Valpaços nos meados do século XVIII por freguesias – SANFINS


MEMÓRIAS PAROQUIAIS, 1758, Tomo28, PEDRO FINS (São), Chaves
[Cota actual: Memórias paroquiais, vol. 28, n.º 101a, p. 649 a 650]

São Pedro fins

Respondendo ao despacho do Muito Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral da Comarca de Chaves:
Eu, o Padre Manuel Alves, faço certo e como esta freguesia de São Pedro Fins é da Província de Trás-os-Montes, Arcebispado de Braga, Termo e Comarca de Chaves. É anexa de São Nicolau de Carrazedo de Montenegro e apresentado pelo mesmo Reitor de Montenegro, pertencente ao ordinário de Braga.
Tem sessenta e seis moradores, pessoas de Sacramento cento e oitenta e sete, e menores quarenta e nove que, todos juntos fazem a conta de duzentas e trinta e cinco pessoas [sic].
Está situada em mais fragas que terra movediça, entre vinhas e olivais e algumas terras de fruto e das povoações não se descobre senão Argeriz, que dista meia légua desta, Água Revés, que dista uma légua e Vassal, que dista menos de meia légua, e nada mais.
O termo é seu e não tem mais lugares.
A Paróquia está no mesmo lugar metida. O orago é São Pedro ad vincula. Tem três altares, um do orago, e nele está a imagem do dito São Pedro, e dois colaterais, um da imagem de Nossa Senhora do Rosário e o outro da imagem de Cristo. É só de uma nave.
O pároco é vigário ad Nutum e o apresenta o Reverendo Reitor de São Nicolau de Carrazedo, como dito fica. A Renda que tem serão, pouco mais ou menos, sessenta mil réis.
Os moradores, os frutos que recolhem são os seguintes: centeio vinho, trigo, azeite, castanhas e legumes de feijão grande e miúdo; e, com mais abundância, centeio e vinho.
Não tem juiz ordinário, está sujeita ao juiz e fora da Comarca e Vila de Chaves, Província de Trás-os-Montes.
O correio é o de Chaves e dista desta freguesia três léguas e desta a Vila de Chaves até onde chega que é Vila Real são dez léguas, pouco mais ou menos. Dista deste lugar a cidade capital de Braga dezoito léguas e a cidade de Lisboa oitenta léguas, pouco mais ou menos.

Em Serra não há nesta freguesia que dizer.

O rio chama-se rio de São Fins, principia o seu nascimento aonde chamam a Venda da Serra e finda no rio de Miradezes, corre de Norte para o Sul e tem três léguas de comprido donde nasce até donde finda. Está entre o Nascente e o Poente e passa por perto de três lugares, um chamado Alfonge, outro Parada e por perto desta freguesia de São Pedro Fins e por Rio Torto. Tem três Rodas de Moinhos e tem um sumidouro aonde passa o rio por baixo de um fragão. Quando o rio vai grande não tem ponte alguma, nem árvores algumas senão fragas. Os peixes que tem o dito rio são bogas e escalos.

E não se continha mais nesta freguesia nos ditos artigos, assim em uns como nos outros, e por ser verdade o passei na mesma que assino com os Reverendos vigários de Argeriz e Vassal, hoje, onze de Março de mil setecentos e cinquenta e oito anos.

São Pedro Fins, era et supra o que juro in verbo Sacerdotis.

O Vigário de São Pedro Fins, Comarca de Chaves, Padre Manuel Alves

O pároco de São Mamede de Argeriz, vigário António Martins
O Vigário de Santa Maria de Vassal, Dâmaso Osório de Queiroga


Nota: Só muito recentemente consegui encontrar o documento das "Memórias Paroquiais de 1758" relativo a Sanfins (de Valpaços) sob a referência de “Pedro Fins (São), Chaves” e de que divulgo aqui a respectiva transcrição. Convém que se diga que na árdua e incessante procura deste documento, deparei com muitos outros referentes a topónimos idênticos tais como Sanfins da Castanheira, Sanfins do Douro, bem como outros vários “São Pedro Fins”, que analisei um por um e que, pelo seu teor não me restaram dúvidas que seriam de descartar. A mesma sorte não tiveram, como pude constatar, os investigadores desta temática coordenados por José Viriato Capela, e ele próprio, que tomaram“Sanfins da Castanheira” como a Sanfins actualmente de Valpaços, o que, inevitavelmente, acabou por se traduzir numa involuntária distorção dos dados e factos a relativamente à freguesia “São Pedro Fins”, curato da Reitoria de Carrazedo de Montenegro no mesmo termo de Chaves que é o que hoje constitui a freguesia de Sanfins do concelho de Valpaços. Cumpre, portanto, advertir que a consulta do livro e publicações posteriores daquele autor intitulados ambos “As Freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758, Memórias, História e Património” deve ser feita, para este e para outros casos em que entretanto também encontrei alguns equívocos, com necessária cautela e ponderação.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Festas Populares e jogos tradicionais

Começam as festas populares nas aldeias transmontanas, com o lançamento do fogo-de-artifício a anunciar as festividades, aos residentes e filhos da terra que nestas alturas do ano visitam as aldeias, após 11 meses de luta diária, dia aguardado com ansiedade.
As festas são sempre acompanhadas pelas reverências religiosas aos santos padroeiros ou a outros a quem o povo presta culto.
No caso de Sanfins a capela da Santa Rita de Cássia é local de peregrinação dos crentes, que ali rezam fervorosamente pedindo por dias melhores, pelas vidas próprias, dos seus e de todos aqueles que necessitam de uma graça divina.
Por norma no que concerne ao culto religioso faz-se inicialmente e à noite a tradicional e carismática procissão das velas, comum a praticamente todas as festas do norte e doutros locais do país. Essa cerimónia é acompanhada de oração e de muita luz que emana dos corações dos crentes, alimentadas pelas velas que libertam chamas de esperança!
Cedo o “fogueteiro” (na minha aldeia usualmente tal tarefa era levada a cabo pelo Ti Augusto – pessoa experiente nessa matéria) trata de fazer os lançamentos dos foguetes, anunciando o acordar das festividades para o dia que agora rompe. Antigamente eram usados foguetes de cana, os quais caiam nos terrenos limítrofes e ocasionalmente em cima dos telhados, felizmente sem provocar grandes problemas ou danos, ainda que ocasionalmente surgisse um malogrado pequeno foco de incêndio prontamente extinto pelos populares.
Logo se juntavam alguns residentes no arraial ou nos cafés da aldeia, onde trocavam confidências e experiências de vida. Desde os migrantes no litoral, aos emigrantes em terras europeias, bem como a outros destinos e ainda aos que pela terra permanecem, todos dialogavam animadoramente e ainda o fazem felizmente. Esses momentos são sempre especiais, pois é através desse intercâmbio que as pessoas se actualizam quanto às vivências de amigos, conhecidos e familiares com os quais não privam durante o ano. As notícias das estrelas falecidas que se apagaram para o mundo são sempre as que provocam mais mágoa, mas logo se entende visto tratar-se do malogrado ciclo da vida a que nenhum ser vivo escapa.
As bandas de música, rasgam as manhãs adormecidas, acalorando as pessoas que se vão aproximando, acompanhando a marcha ritmada dos músicos, que tocam afinados os vários instrumentos, cuja cadência e ritmo é orientado pelo maestro. Percorrem as ruas das aldeias, levando sons a todos os recantos, roubando sorrisos aos mais novos e aos mais idosos, que se maravilham com tal visão. São os elementos da banda depois das primeiras actuações convidados a partilhar a mesa com as gentes da aldeia, onde convivem alegremente. As crianças preocupam-se mais em examinar a flauta, o trompete ou outros instrumentos musicais utilizados pelos músicos, do que com a comida na mesa. Estes pacientemente explicam como de um instrumento sai música, deixando por vezes as crianças tentar tocar, o que muitas vezes resulta em sons desagradáveis de se escutar, mas suportados pela alegria contagiante das crianças.
De tarde a banda acompanha a procissão religiosa desde a igreja, dando uma volta à aldeia parando junto à capela. Os andores decorados com flores de várias cores, forrados pelos mais belos e finos tecidos, onde descansam os santos, enchem a vista das gentes, perfumando o ar.
Cumpridas as orações, segue a procissão para a igreja, local onde finalizam as festividades religiosas propriamente ditas.
Seguem-se agora as diversões pagãs, os comes e bebes, a distracção a música e os jogos tradicionais.
À noite o conjunto contratado pela comissão de festas inicia a sua actuação, num palco montado para o efeito. Música popular irrompe pela noite, acordando todos os seres, libertando sons ritmados que fazem os corpos bailar aos sons da música. O arraial é muito procurado pelos foliões que prontamente se agarram ao seu par, dando uns pés de dança ao som de músicas do Quim Barreiros ou de outros, razoavelmente interpretados pelo conjunto.
Outros dedicam-se a beber umas cervejas, a comer uns petiscos, tremoços ou amendoins e a conversar com amigos de longa data ou de ocasião, trazendo-lhes alegrias e sorrisos também proporcionadas pelos vapores etílicos com que o álcool os premeia, mas nesses dia que importa isso?
Os remanescentes, normalmente os mais idosos apreciam os mais jovens a rodopiar alegremente no centro do arraial, sonhando com os tempos em que os seus corpos mais jovens também o permitiam, recordando-o com melancolia e saudades!
Alguns anciãos, apesar de algumas maleitas, ainda dão orgulhosamente o seu pé de dança, mostrando aos mais novos como faziam antigamente.


Jogos Tradicionais

É hábito nas festas populares a realização de jogos cujas tradições se perdem no tempo e nas lembranças dos mais idosos.
Desde a corrida; à corrida de cântaros; a correr a dois com uma corda amarrada a uma perna; à corrida de burros até ao pau-de-sebo, tudo servia para animar as festividades.
Aqui irei apenas referir um deles …

O Pau-de-sebo


(Festas de Sanfins 1994)

Um dos jogos mais difíceis era certamente o de subir ao “pau-de-sebo”, pois requeria muita perícia e técnica na colocação dos pés.
O mastro liso de vários metros de altura, era untado com gordura para dificultar a subida, tornando a conquista do tão requisitado prémio (normalmente era dinheiro e um presunto) uma tarefa hercúlea e que apenas se conseguia através do trabalho de equipa.
Inicialmente as equipas, começavam por tentar individualmente a subida ao mastro, mas apenas conseguiam limpar a gordura do mesmo.
Como a tarefa se complicava, passava-se ao trabalho de equipa em que se formava uma massa humana em forma de torre, apoiando-se uns em cima dos outros. O primeiro era o mais sacrificado pois tinha que suportar o peso dos restantes, subindo cada um dos elementos da equipa pelos corpos dos restantes, que iam subindo uns para cima dos outros, apoiando os pés nos ombros, até um deles alcançar o topo do mastro, onde tocava na bandeira, conquistando o tão cobiçado prémio.


(Conquista do pau-de-sebo)

Quando o conseguiam era um momento de imensa alegria, mais pela diversão do que propriamente pelo prémio.
Digo-o porque tive o prazer de participar numa dessas provas durante as festividades, conforme o ilustram as fotos, onde senti adrenalina e o prazer do convívio mas também de ver premiado o esforço a que expusemos o corpo para ganhar o presunto e o dinheiro.
Para além da minha pessoa, o “Zé”, o “Luís” e o “Américo” foram os restantes membros da equipa que permitiu a conquista do mastro ou pau-de-sebo como é designado, o que diga-se não foi tarefa nada fácil, mas compensou pelo prazer que tivemos depois em deleitar-nos com o presunto que diga-se era caseiro e de qualidade.
As festividades nas aldeias tem vindo a perder-se por inúmeras razões, desde a desertificação, à falta de dinheiro e de voluntariado para fazerem parte das comissões de festas, o que naturalmente apaga aos poucos a nossa identidade cultural e as nossas tradições.
Felizmente algumas ainda persistem e espero que com o esforço de muita gente assim permaneçam por inúmeros anos …

João Salvador – 14/08/2013



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Homenagem a um ilustre Transmontano - Miguel Torga



Biografia de um ilustre transmontano

Miguel Torgapseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, (São Martinho de Anta12 de Agosto de 1907 — Coimbra17 de Janeiro de 1995) foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.

Nasceu na localidade de São Martinho de Anta, em 12 de Agosto de 1907. Oriundo de uma família humilde de Sabrosa, era filho de Francisco Correia Rocha e Maria da Conceição Barros. Em 1917, aos dez anos, foi para uma casa apalaçada do Porto, habitada por parentes. Fardado de branco, servia de porteiro, moço de recados, regava o jardim, limpava o pó, polia os metais da escadaria nobre e atendia campainhas. Foi despedido um ano depois, devido à constante insubmissão. Em 1918 foi mandado para o seminário de Lamego, onde viveu um dos anos cruciais da sua vida. Estudou PortuguêsGeografia e História, aprendeu latim e ganhou familiaridade com os textos sagrados. Pouco depois comunicou ao pai que não seria padre.

Emigrou para o Brasil em 1920 , ainda com doze anos, para trabalhar na fazenda do tio, proprietário de uma fazenda de café. Ao fim de quatro anos, o tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais, em Leopoldina. Distingue-se como um aluno dotado. Em 1925, convicto de que ele viria a ser doutor em Coimbra, o tio propôs-se pagar-lhe os estudos como recompensa dos cinco anos de serviço, o que o levou a regressar a Portugal e concluir os estudos liceais.

Em 1928, entra para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica o seu primeiro livro de poemas, Ansiedade. Em 1929, com vinte e dois anos, deu início à colaboração na revista Presença, folha de arte e crítica, com o poema Altitudes. A revista, fundada em 1927 pelo grupo literário avançado de José RégioGaspar Simões e Branquinho da Fonseca era bandeira literária do grupo modernista e bandeira libertária da revolução modernista. Em 1930 rompe definitivamente com a revista Presença, junto com Edmundo Bettencourt e Branquinho da Fonseca , por «razões de discordância estética e razões de liberdade humana», assumindo uma posição independente. Nesse ano, publica o livro Rampa, lançando, no ano seguinte, Tributo e Pão Ázimo, e, em 1932, Abismo. Em colaboração com Branquinho da Fonseca, funda a revista Sinal, de efémera duração, e, em 1936, lança, junto com Albano Nogueira, o periódico Manifesto.2 Nesse ano, publica O Outro Livro de Job.
A obra de Torga traduz sua rebeldia contra as injustiças e seu inconformismo diante dos abusos de poder. Reflete sua origem aldeã, a experiência médica em contato com a gente pobre e ainda os cinco anos que passou no Brasil (dos 13 aos 18 anos de idade), período que deixou impresso em Traço de União (impressões de viagem, 1955) e em um personagem que lhe servia de alter-ego em A criação do mundo, obra de ficção em vários volumes, publicada entre 1937 e 1939. As críticas que fez aí ao franquismo resultaram em sua prisão (1940).1 Publica os livros A Terceira Voz em 1934, aonde pela primeira vez empregou o seu pseudónimo, Bichos em 1940, Contos da Montanha em 1941, Rua em 1942, O Sr. Ventura e Lamentação em 1943, Novos Contos da Montanha e Libertação em 1944, Vindima em 1945, Sinfonia em 1947, Nihil Sibi em 1948, Cântico do Homem em 1950, Pedras Lavradas em 1951, Poemas Ibéricos em 1952, e Orfeu Rebelde em 1958.
Crítico da praxe e das restantes tradições académicas, chama depreciativamente «farda» à capa e batina. Ama a cidade de Leiria, onde exerce a sua profissão de médico a partir de 1939 até 1942, onde escreve a maioria dos seus livros. Em 1933 concluiu a licenciatura em Medicina pela Universidade de Coimbra. Começou a exercer a profissão nas terras agrestes transmontanas, pano de fundo de grande parte da sua obra. Dividiu seu tempo entre a clínica de otorrinolaringologia e a literatura. Após a Revolução dos Cravos que derrubou o regime fascista em 1974, Torga surge na política para apoiar a candidatura de Ramalho Eanes à presidência da República (1979). Era, porém, avesso à agitação e à publicidade e manteve-se distante de movimentos políticos e literários.
Autor prolífico, publicou mais de cinquenta livros ao longo de seis décadas e foi várias vezes indicado para o Prêmio Nobel da Literatura.

Casou-se com Andrée Crabbé em 1940, uma estudante belga que, enquanto aluna de Estudos Portugueses, com Vitorino Nemésio em Bruxelas, viera a Portugal fazer um curso de verão na Universidade de Coimbra. O casal teve uma filha, Clara Rocha, nascida a 3 de Outubro de 1955, e divorciada de Vasco Graça Moura.
Torga, sofrendo de cancro, publicou o seu último trabalho em 1993, vindo a falecer em Janeiro de 1995. A sua campa rasa em São Martinho de Anta tem uma torga plantada a seu lado, em honra ao poeta.



Alguns poemas de Miguel Torga:

"No meu jardim " 

No meu jardim aberto ao sol da vida,
Faltavas tu, humana flor da infância
Que não tive...

E o que revive
Agora
À volta da candura
Do teu rosto!

O recuado Agosto
Em que nasci
Parece o recomeço
Doutro destino:

Este, de ser menino
Ao pé de ti...

MIGUEL TORGA, in DIÁRIO VIII (1959), in ANTOLOGIA POÉTICA (Coimbra, 4ª ed., 1994)

Miguel Torga in ANTOLOGIA POÉTICA (Coimbra, 4ª ed., 1994)





** Cântico de Amor **

Ama quem amas, como o vento
Ama as folhas de olmo
(Amor que lhes transmite movimento
E alegria.)
Asa que possa andar no firmamento
Só caminha no chão por cobardia.





Poema "Adeus"





domingo, 4 de agosto de 2013

Memórias da vida na Aldeia e da sua bica

As aldeias são por norma locais pacatos, onde a vida corre devagar sem pressas, onde as relações entre as pessoas são fortalecidas pelos laços que as unem desde a nascença.
Ali toda a gente se conhece, estreitando laços de amizade e de convivência salutar, ainda que como em todo o lado possam ocorrer diferendos, os quais são próprios da natureza humana.

Antigamente esses laços eram mais fortes e muito enraizados mercê da dureza da vida. Esses laços eram fortalecidos pela cooperação e ajuda mútua nas tarefas agrícolas, a que se apelidava de “Torna jeira”.
Havia sempre esse espírito de entreajuda, que os trabalhos do campo e das vidas quotidianas impulsionavam, visto que poucos eram os que tinham acesso aos tractores ou a outro tipo de maquinaria na década de 70 e 80. Além dos terrenos irregulares e íngremes nalguns casos, que dificultavam a utilização dessas máquinas, o poder económico e as ajudas para as adquirir era residual. Ajudas essas que surgiram a partir de 1986, tendo o seu apogeu com as ajudar da CEE, que na minha opinião não desenvolveu a agricultura suficientemente nem a amadureceu, mas enriqueceu uns quantos “Chico-espertos” sem nada darem ao país (mas isso são outros assuntos).

Nessas décadas o cavalo e os burros (asnos) eram os Reis e dominavam a lavoura, sulcando os terrenos, puxando as charruas conduzidas habilmente pelo camponês.
(Camponês a lavrar a terra)

Os cavalos (incluídos mulas, burros e machos), vieram substituir as juntas de bois já pouco usadas no norte, ainda que se vejam esporadicamente nos dias de hoje, nalgumas aldeias (talvez mais na zona barrosã), onde a população mais idosa teima em continuar a usar o gado bovino para o trabalho campestre.

(Lavrador a regressar dos campos)

O trabalho era manual (recorrendo-se para algumas tarefas de carga principalmente aos animais), logo necessária a colaboração de muitas pessoas em lides campestres como era o caso da cegada, da apanha da azeitona, das vindimas, entre outras que possibilitavam o contacto próximo e o convívio salutar entre os trabalhadores, usualmente da própria terra ou de terras próximas.

Apesar de árduas as tarefas, as pessoas não se queixavam (pois pouco adiantava e nada resolvia a sua situação – restava-lhes lutar pela vida e da família), visto estarem resignadas às mesmas e as que não estavam procuravam outras paragens, como era o caso das grandes cidades ou do estrangeiro.

Mas que ninguém se iluda as cidades não vivem sem os produtos agrícolas, pois é preciso alimentar milhões de pessoas.

Quem sabe o futuro … talvez o regresso de muitos à terra, não nos moldes aqui referidos mas noutros com ajuda da mecanização (como já muitos o fazem), ou através de culturas biológicas agora muito em voga.

Essas tarefas árduas tinham o dom de tornar as pessoas iguais nos seus destinos, logo humildes, carinhosas, amigas … pessoas de bem, onde não havia aqueles que se achavam mais que os outros. Isso a aldeia possibilitava-o, mas agora com os novos tempos e apesar das actuais dificuldades, muitos vivem num mundo à parte onde os valores ancestrais se perderam.

As amizades são agora mais ténues e pouco verdadeiras. Egocentrismo, hipocrisia, egoísmo, arrogância, são agora sentimentos que proliferam e ganham terreno nas novas gerações.

Quem não se recorda (aqueles que viveram nas aldeias) das brincadeiras inocentes das crianças que se contentavam com o pouco (que era muito) que tinham, mas sorriam e brindavam a vida com os seus sorrisos estampados nos seus rostos angelicais, visto não terem conhecido o muito, que lhes corrompesse a alma com futilidades?

(A brincar com um coelho)

Havia sempre nas aldeias, locais de encontro preferidos da “canalha” que brincavam à apanhada; que faziam rodar com a “gancheta” os aros que retiravam de bicicletas velhas; que jogavam ao pião; que jogavam ao “espeto”, conquistando o seu mundo imaginário … quem não gostava dos sentimentos cultivados nesses tempos em que os brinquedos eram feitos pela própria mão das crianças. Os berlindes eram fornecidos pela própria natureza, as andas eram feitas com a madeira retirada das florestas, os pequenos barcos flutuantes com cortiça do sobreiro.
(Andas de madeira feitas manualmente - imagem retirada da internet: http://lombadamadeira.wordpress.com/page/66/?pages-list)

A imaginação era o limite do mundo, levando as crianças a uma felicidade genuína, livre de consumismos ou de interesses que lhes minasse a alma ou a pureza dos seus corações.

A bica local de encontro

(Bica de Sanfins nos anos 80)


(Bica de Sanfins - ano de 2013)

Na minha aldeia um dos locais prediletos era a bica, local onde a água corria livremente no tanque que era usado para os animais (gado cavalar, gado ovino e caprino) beberem água fresca após as labutas no campo com os seus donos.


(Bebedouro dos animais - Foto de 2013)

Para os animais era um bebedouro, para as crianças uma piscina, onde se banhavam e atiravam água uns aos outros, ao mesmo tempo que se riam com um vigor contagiante.
Era ali que os casais namoravam às escondidas, ou nos tempos mais recentes nem tanto assim, acompanhando a evolução das mentalidades e da própria sociedade.
A bica esconde histórias de vida, de ilusões, desilusões, amores, promessas encerradas, vidas arrastadas, felicidades vividas …
Escreveram-se ali vidas e mortes de muitos residentes, trocaram-se palavras de amor, choraram-se lágrimas de sangue, beijaram-se lábios, nutriram-se sentimentos, tudo ao som da água que escorria límpida e livre, na bica banhando e acarinhando as bocas sedentas que a recebiam como um elixir, expelido pelo Olimpo.  
Perto, bem perto moravam gentes que sentiam a bica e a aldeia como sua. Um paraíso que absorvia o silêncio das suas mentes, nas noites que passavam olhando o manto das estrelas brilhantes, imaginando o futuro. O seu e o de tantos outros que consigo cresceram …

João Salvador – 04/08/2013

Nota: As fotos aqui expostas são da autoria do José Rito Carneiro e outras retiradas do Google.