quinta-feira, 23 de julho de 2015

Vale de Corças – Pequeno paraíso agrícola

Além das memórias, das vivências e das histórias de vida, herdamos de nossos pais, os valores imateriais, mas também os bens materiais e as terras.

Regressei hoje, aquele pedaço de terra que herdei. Visualizando as oliveiras, as amendoeiras, figueiras e o pinhal, refrescou-se a memória, recordando aqueles tempos em que ali labutei e larguei o suor, até buscar novos caminhos, horizontes e projectos de vida!


Foram vastas as horas ali (e noutros terrenos da família) despendidas a tirar os “mamões” e a limpar as oliveiras, garantindo que as mesmas estivessem prontas para aquando da recolha da azeitona, visando facilitar ao varejador o seu trabalho. 

A oliveira, precisa de ser acarinhada, despindo-se as maleitas que a afligem, aliviando-a do excesso de ramagem, garantindo assim que as azeitonas cresçam em quantidades e produzam um azeite de esmerada qualidade. Aliás, as terras Valpacenses são conhecidas pela produção do azeite, que tem uma qualidade reconhecida por quem o saboreia e se deleita com tal néctar. Antigamente os anciãos chegavam a comer a “côdea” de pão embebida no azeite, algo que tive o gosto de fazer ainda em rapaz.


Quando da minha mocidade a colheita era feita com auxílio de “toldes” ou “toldos”, os quais eram colocados no solo, de forma a garantir que a azeitona ficasse ali armazenada momentaneamente, sendo depois colocada em sacos, limpa, e ensacada novamente, rumando depois para os lagares de azeite das aldeias ou para a cooperativa olivícola.

Hoje, mesmo em relevos como os transmontanos, a maquinaria já rasga pelos olivais, sendo usual verem-se as varejadoras mecânicas, ou até alfaias acopladas aos tractores, que fazem a vareja, a recolha e o armazenamento da azeitona, que depois é entregue na cooperativa, para a produção do azeite.

Nesse pedaço herdado, cujo coração pertence aquela terra, encontram-se uma ou duas amendoeiras, cuja amêndoa colhida é usada para muitos fins, desde a culinária à estética. No caso do pequeno pedaço do céu que herdei, não é rentável visto a produção ser quase nula, ficando muitas vezes a mesma na árvore, acabando por cair no solo. Não obstante ter quem trate do terreno, no que respeita à amêndoa, não compensa a sua recolha, acabado infelizmente por crescer e findar muitas vezes, na própria amendoeira.


Já os figos, são biológicos e bastante saborosos. Outrora eram recolhidos na sua totalidade e secos em varandas para serem depois consumidos no inverno, ou vendidos. 

Hoje em pequenos terrenos como o Vale de Corças, que aqui retrato, não compensa gastar-se dinheiro em mão-de-obra, visto que o retorno é praticamente nulo. O que compensa é usar estes pequenos terrenos agrícolas como complemento, usando o esforço do nosso próprio trabalho sem ter que se recorrer ao pagamento de jornaleiros.

A Terra hoje é mais mal tratada, sem o carinho de outrora, quando por força da vida era lavrada, acarinhada, cultivada.

Naturalmente que me aborrece ver a terra queimada pelo herbicida, ao invés de lavrada. Se me custa ver o pinhal com ramos secos no solo, sem estar devidamente cuidado. Claro que me incomoda. No entanto, estando minimamente tratado, já me alegra o coração, sentindo assim que se preserva um pedaço de terra que me foi deixado por uma guerreira, que extraia o pão do seu sustento, desse e doutros terrenos, alimentando a sua prol, que vive agora espalhada por vários pontos do país e do mundo, como é o caso da maioria das famílias.

João Salvador - 22/07/2015

  







1 comentário:

  1. Mais um texto magistral ilustrado com fotos maravilhosas. Voltei à minha infância, quando a caminho da escola parava no lagar do azeite e o meu tio Zé Magalhães nos untava a côdea de pão com o azeite que corria do alambique e nos enchia as escalfetas com o bagaço ardente, que nos aquecia os pés nas manhãs geladas da igualmente gelada escola. Voltei à infância, mas não fiquei por lá, porque ainda hoje, tiro os mamões às oliveiras e apanho a azeitona, num misto de tradicional e de moderno.

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