Além das memórias, das vivências e das histórias
de vida, herdamos de nossos pais, os valores imateriais, mas também os bens materiais
e as terras.
Regressei hoje, aquele pedaço de terra que
herdei. Visualizando as oliveiras, as amendoeiras, figueiras e o pinhal, refrescou-se
a memória, recordando aqueles tempos em que ali labutei e larguei o suor, até
buscar novos caminhos, horizontes e projectos de vida!
Foram vastas as horas ali (e noutros terrenos
da família) despendidas a tirar os “mamões” e a limpar as oliveiras, garantindo
que as mesmas estivessem prontas para aquando da recolha da azeitona, visando
facilitar ao varejador o seu trabalho.
A oliveira, precisa de ser acarinhada, despindo-se
as maleitas que a afligem, aliviando-a do excesso de ramagem, garantindo assim
que as azeitonas cresçam em quantidades e produzam um azeite de esmerada
qualidade. Aliás, as terras Valpacenses são conhecidas pela produção do azeite,
que tem uma qualidade reconhecida por quem o saboreia e se deleita com tal néctar.
Antigamente os anciãos chegavam a comer a “côdea” de pão embebida no azeite,
algo que tive o gosto de fazer ainda em rapaz.
Quando da minha mocidade a colheita era feita
com auxílio de “toldes” ou “toldos”, os quais eram colocados no solo, de forma
a garantir que a azeitona ficasse ali armazenada momentaneamente, sendo depois
colocada em sacos, limpa, e ensacada novamente, rumando depois para os lagares
de azeite das aldeias ou para a cooperativa olivícola.
Hoje, mesmo em relevos como os transmontanos,
a maquinaria já rasga pelos olivais, sendo usual verem-se as varejadoras mecânicas,
ou até alfaias acopladas aos tractores, que fazem a vareja, a recolha e o
armazenamento da azeitona, que depois é entregue na cooperativa, para a produção
do azeite.
Nesse pedaço herdado, cujo coração pertence
aquela terra, encontram-se uma ou duas amendoeiras, cuja amêndoa colhida é
usada para muitos fins, desde a culinária à estética. No caso do pequeno pedaço
do céu que herdei, não é rentável visto a produção ser quase nula, ficando
muitas vezes a mesma na árvore, acabando por cair no solo. Não obstante ter
quem trate do terreno, no que respeita à amêndoa, não compensa a sua recolha,
acabado infelizmente por crescer e findar muitas vezes, na própria amendoeira.
Já os figos, são biológicos e bastante
saborosos. Outrora eram recolhidos na sua totalidade e secos em varandas para
serem depois consumidos no inverno, ou vendidos.
Hoje em pequenos terrenos como
o Vale de Corças, que aqui retrato, não compensa gastar-se dinheiro em mão-de-obra,
visto que o retorno é praticamente nulo. O que compensa é usar estes pequenos
terrenos agrícolas como complemento, usando o esforço do nosso próprio trabalho
sem ter que se recorrer ao pagamento de jornaleiros.
A Terra hoje é mais mal tratada, sem o
carinho de outrora, quando por força da vida era lavrada, acarinhada,
cultivada.
Naturalmente que me aborrece ver a terra
queimada pelo herbicida, ao invés de lavrada. Se me custa ver o pinhal com
ramos secos no solo, sem estar devidamente cuidado. Claro que me incomoda. No
entanto, estando minimamente tratado, já me alegra o coração, sentindo assim
que se preserva um pedaço de terra que me foi deixado por uma guerreira, que
extraia o pão do seu sustento, desse e doutros terrenos, alimentando a sua
prol, que vive agora espalhada por vários pontos do país e do mundo, como é o
caso da maioria das famílias.
João Salvador - 22/07/2015
Mais um texto magistral ilustrado com fotos maravilhosas. Voltei à minha infância, quando a caminho da escola parava no lagar do azeite e o meu tio Zé Magalhães nos untava a côdea de pão com o azeite que corria do alambique e nos enchia as escalfetas com o bagaço ardente, que nos aquecia os pés nas manhãs geladas da igualmente gelada escola. Voltei à infância, mas não fiquei por lá, porque ainda hoje, tiro os mamões às oliveiras e apanho a azeitona, num misto de tradicional e de moderno.
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