(Foto de Paulo Alves)
Caminho nostálgico pelas ruas abandonadas da
minha mente. Não vejo gente, sigo pesaroso, por ausência de vida!
Os novos foram-se, poucos são os resistentes.
Os heróis ainda deambulam pela aldeia, aqueles que regressaram da emigração, ou
os outros que se mantiveram com o cordão umbilical ligado à terra que lhes deu
o sustento.
Teimosia? Falta de oportunidades? Ou amor
pela terra? Independentemente das razões, foram alguns que se mantiveram unidos,
preservando as raízes e as memórias dos antepassados e as suas tradições. Estes
guardam ainda “frescas” na memória histórias de outros tempos, tempos em que a
vida se centrava na comunidade predominantemente agrícola.
Tempos em que as tabernas; os clubes e os
largos das aldeias, eram o centro de encontro de todas as gerações.
No fundo era uma família unida, todos se
conheciam e se ajudavam mutuamente. O vizinho levava aos mais próximos produtos
das suas colheitas, recebendo sempre em troca um puro sorriso e uma palavra de
agradecimento sincero. Além do que também seria bafejado por uma dádiva, que não
pedia, mas que era como um acordo selado entre todos. O dar, não pressupunha
nada em troca, eram-no assim por tradição das gentes do interior, e ainda preservam
tais hábitos nalgumas regiões.
O “cibo” (expressão usada em Trás-os-Montes,
para designar um bocado, um pedaço) de pão e o copo de vinho, não se negava a
ninguém, nem aos estranhos à aldeia que eram bem recebidos, quer com as
oferendas quem com a simpatia que caracteriza as gentes humildes das aldeias. Gentes
ainda não totalmente conspurcadas pelo consumismo desenfreado; pelo
materialismo e pelas novas tendências desta sociedade decrépita, onde
prevalecem valores contrários à génese do próprio ser humano, ou pelo menos
valores que devem reger todo o homem honrado.
Esse orgulho, das tradições; das gentes; da
vida passada na aldeia; das dificuldades, esculpiram muitos daqueles que como
eu tiveram que cinzelar a sua própria vida, buscando o sustento noutras
paragens, mas sempre respeitando e amando as suas origens a sua terra e as suas
gentes.
Ainda hoje as memórias me povoam a mente,
trazendo-me sorrisos de momentos aprazíveis da mocidade, mas também alguns
dolorosos, como o é a partida de amigos, familiares ou vizinhos.
Mas, é bem sabido que o momento fatídico a
todos chegará, ainda que a sociedade actual tema falar em tal tabu. Mas esse
tema, apenas nos deve ajudar a viver sabiamente cada dia da nossa vida, dando
valor aquilo que realmente o tem, afastando-nos de pensamentos ou atitudes
negativas, que prejudiquem a nós próprios ou a terceiros.
Não fica satisfeito quem me lê, em ver uma
criança a sorrir; um idoso a ser acarinhado, um valor a ser cultivado, fazendo
com que as acções positivas nos contagiem e nos façam sentir bem?
Acima de todas as religiões, são os valores
humanos que todos devemos cultivam e que devem assenhorar-se do nosso espírito.
Mais que as orações, são as acções que demonstram o nosso querer e através
desses exemplos, possamos ser seguidos pelas gerações mais novas.
Foi através da vivência passada, das experiências
adquiridas, dos ensinamentos dos progenitores e de todos os anciãos da aldeia,
que esculpi a personalidade que habita nas minhas entranhas. Assim o foi com todos
os seres humanos, cada um edificou a sua personalidade.
Estes pensamentos percorreram-me a espírito,
numa época em que vejo o castelo civilizacional a desmoronar-se a olhos vistos.
Mas a esperança, essa palavras que enche o
destino, deve ser o centro da nossa vontade. Esperança num mundo melhor, um
mundo no qual todos nós, pequenas formigas participamos, contribuindo para um
país, para o mundo, que esperamos seja melhor e esperançoso para os nossos
filhos. Não cruzar os braços é pois uma boa ideia, lutando incansavelmente pelo
bem-estar comum …
João Salvador – 03/04/2015