sábado, 5 de julho de 2014

Pontos de encontro I - Vassal

Sempre que o destino por mim destinado me conduz ao berço, estabeleço prioridades para me deslocar a locais que anteriormente por falta de tempo não havia visitado, usualmente onde possa encontrar também amigos e conhecidos que procuro rever.
Dividido o tempo entre tarefas agrícolas de apoio, na companhia do meu rebento, ao “meu pai adoptivo” – pessoa que não sabe o que são férias, folgas ou fins-de-semana, e tardes de lazer (pessoa que labuta freneticamente por ele e pelos seus), com intuito de rever recordações e memórias; visitar pessoas e conversar com anciãos e familiares com quem não privo regularmente.
Concluídas as tarefas matinais que por esta altura foram de dedicação às vinhas, deitando-lhes a calda, após almoço o primeiro destino teve como poiso a minha segunda aldeia do coração, Vassal.


I - Vassal/rua do Cruzeiro
(Foto Carlos Bouça - rua do Cruzeiro)

Cheguei ao largo em Vassal, deparei-me com o meu grande amigo e primo Carlos Bouça, o qual se encontrava debruçado na varanda do seu estabelecimento. Pessoa que conheço desde os meus tempos de infância e com o qual partilhei muitos momentos de alegria. Após um breve diálogo inicial, dirigi-me para a rua do Cruzeiro, a qual achei bastante deserta, com várias casas vazias, ainda que apenas a das minhas raízes seja a mais devoluta e onde habita uma alma cuja vida nele já escasseia. Esse, meu tio Arménio encontrei-o num estado de saúde preocupante, bastante debilitado, tremendo e com a barriga bastante inchada o que me preocupou, apesar das suas palavras reconfortantes e despreocupadas.
No entanto o seu estado de saúde é débil já à bastantes anos, tendo vindo a deteriorar-se, até porque apesar das chamadas de atenção continua a abusar de bebidas alcoólicas e a alimentação não será a adequada, pois nesse campo sempre foi muito desleixado.
O corpo responde-lhe já pesadamente, olhando-o eu impotente perante as maleitas que lhe açoitam o corpo e de que padece, nada podendo fazer para o ajudar.
Vive na casa dos meus avós, uma casa que outrora era para mim um mistério, um tesouro a explorar mas que agora jaz abandonada sem o seu recheio, encontrando-se as lojas inferiores vazias, onde antigamente proliferavam, porcos, galinhas e animais de raça cavalar. O lugar onde tinha os pipos ainda existe mas estes já à muito que desapareceram, nada existindo num lugar habitado apenas pelos fantasmas do passado que por ali deambulam em silêncio. Tais presenças não são perceptíveis, mas causam arrepios quando pequenas aragens de vento nos tocam na pele pelas muitas frinchas que permitem as correntes de ar e os rugidos das portas, que ocasionalmente parecem vozes de almas familiares que por ali caminham eternamente.
Sim os tempos de criança foram ali passados num misto de grande júbilo e felicidade que contrasta agora com o vazio …
A pouca luz que ainda vai rasgando timidamente, pelas aberturas das madeiras envelhecidas, são agora envergonhadas, arrefecendo a minha alma, aquando das visitas à casa, esfriando as memórias de outrora, ainda que não as apagando, porque essas viverão sempre no coração de quem as sente. No entanto o misto de tristeza e de alegria, o descontrolo de sentimentos, esses não consigo controlar …
Após a breve visita a casa, tive oportunidade de conversar com três resistentes que habitam ainda a rua do Cruzeiro, as quais versaram como não podia deixar de ser sobre tempos idos; o destino dos ali residentes, muitos já falecidos, e da sua prol.
Apesar de muitas dessas informações, apenas terem confirmado que o tempo é implacável para todos os seres humanos; que as páginas do destino tem um epílogo comum, o facto é que o destino assim o reza e contra isso nada a podemos fazer … apenas recordar os sorrisos daquelas almas que ainda habitavam as nossas memórias e honrá-las com estas humildes palavras que aqui verto com saudades!


II – Vassal/Café Sobe e Desce
(Fotos Carlos Bouça - Vista exterior do café)

(Fotos Carlos Bouça - Vista interior do café)

Rumei agastado pela penumbra que pairava nas memórias passadas, libertando-me das tristezas entrei no já emblemático café “Sobe e Desce”, explorado pelo meu primo Carlos que se situa no primeiro andar. No andar de baixo existe uma mercearia também já com muitos anos explorada pelos pais do Carlos. Os dois estabelecimentos estão geograficamente bem localizados no Largo Principal em Vassal, o que seguramente será uma mais valia para o negócio, apesar da grave crise que assola o país que em nada ajuda os estabelecimentos comerciais.
Trata-se de um dos vários locais existentes na localidade de Vassal, onde as suas gentes afluem para conviver, beber, jogar as cartas ou simplesmente ver futebol – presentemente decorre o Mundial 2014 e tive ali a oportunidade de assistir a um desses jogos, enquanto me deleitava com um Martini regado com cerveja e com uns amendoins, flutuando em memórias passadas de uma juventude e adolescência felizes, que versaram as páginas já escritas e vividas da existência de um rapaz solteiro, sedento de vida.
Naturalmente que tive a oportunidade de divagar sobre várias temáticas, inteirando-me dos destinos de pessoas que já não vejo á imensos anos, pois os caminhos da vida são uma encruzilhada que muitas vezes não permitem reencontros. Além disso ninguém melhor do que o explorador de um estabelecimento situado geograficamente no centro de Vassal, para estar ao corrente do que por ali vai ocorrendo, o que em termos de informação ocorre de uma forma natural!
O Carlos Bouça é também ele um resistente, assim como o são outros residentes nas aldeias transmontanas, que se agarram à terra como raízes inquebráveis, mantendo-se fiéis às suas origens, bebendo diariamente da terra a seiva que lhes dá vida. Explora o café que em bom rigor é o espelho dele próprio, a sua alma transportada para o mundo físico, mas actual, onde nada falta, nem as novas tecnologias, estando o estabelecimento dotado de internet com Wi-fi que permite aos clientes aceder às ao mundo virtual no longínquo reino maravilhoso, podendo ainda ser encontrado numa página do facebook (https://www.facebook.com/groups/448139441933930/?fref=ts).
A decoração apesar de simples é a adequada e ao gosto dos clientes habituais, pessoas maioritariamente residentes na aldeias ou em localidades limítrofes, tendo as suas enchentes por alturas do verão em que os descendentes da terra regressam para matar saudades, após um ano de labuta por terras estrangeiras.
Só um pormenor que achei curioso, foi o facto de o Carlos ter na parede interior a simbologia dos três grandes clubes nacionais, o que revela uma inteligência ímpar e respeito para com todos os adeptos das várias cores que frequentam o estabelecimento.
Enfim uma tarde agradável, passada na companhia de um primo que considero bastante, e que brevemente irei rever na companhia de uma mini e de uns amendoins, pois a vida é também ela feita destes pequenos momentos …

João Salvador – 28/06/2014


Fotos antigas que tirei em Vassal:



Outras fotos do café e do largo de Vassal da autoria do Carlos Bouça: 
















Sem comentários:

Enviar um comentário