segunda-feira, 30 de julho de 2012

Crónica da vida de um Pastor, na visão de quem nunca o foi



Desde muito novo que admiro os pastores e a sua forma de estar e de ser, pois tive a oportunidade de privar com eles durante parte da minha vida – a pastorícia é em si um modo de estar na vida.

Nas aldeias transmontadas, não há tempos muito remotos era uma profissão considerada (e sempre o será para quem conhece a dureza de tal vida e o brio de tal gente) e com alguns seguidores, usualmente uma profissão que poder-se-ia considerar familiar.

Quem não se lembra (quem ai mora na aldeia tem ainda esse prazer), de passar pelos campos verdejantes e ver no horizonte ali embrenhados naquela cena bucólica pintada pelos recortes do céu, o pastor com o seu típico cajado contemplando o céu, ladeado pelas suas ovelhas sempre acompanhadas pelos cães que as guardam?

Ovelhas pacificamente ruminando, engordando sem conhecer o destino, num cenário ordeiro e belo entretidas em consumir as herbáceas que encontram nos férteis solos.



Ovelhas cumprindo religiosamente as orientações direcionais do pastor, que as chama na sua inconfundível voz, que corta pelas serras e montes, premiando-as com um delicioso “petisco”.

Quem não se recorda dos carismáticos “Ti Alípio Cavaleiro” ou do “Ti Américo Cavaleiro”, pastores de uma vida. Homens de renome quase intemporal, fazendo ainda jus a tão nobre actividade, no alto dos seus muitos anos já vividos.

(Ti Alípio Cavaleiro)

Garbosos na profissão que abraçaram desde à muito, onde sempre buscaram o sustento para si e para os seus.
Conhecedores como ninguém dos mais faustosos pastos de erva tenra que irradia uma fulgência aprimorava na primavera, pigmentada pelas flores brancas e amarelas que ondulam as suas pétalas ao vento, numa dança que nos hipnotiza e nos faz sonhar.

Brinda o gado com tais mantos de belas e suculentas pastagens. O pastor no seu silêncio, cortado pelo chilrear dos pássaros ou pelo latir dos cães é o verdadeiro guardião das ovelhas, mas também das paisagens naturais que embelezam o nosso Nordeste Transmontano.

O pastor é o verdadeiro cientista e estudioso das bucólicas paisagens tantas vezes enaltecido e declamado nos poemas vertidos em palavras pelo nosso famoso conterrâneo Miguel Torga. Cenário onde se sente imbuído de saber e de inspiração com a qual é enamorado pelas próprias cores; sons e aromas dos montes que percorre sem descanso.

Vivem abrigados e protegidos por um céu de estrelas que lhes revela todos os seus segredos, mas atentos aos predadores naturais que lhes podem roubar o sustento.

Nas brisas primaveris, quando os raios de sol incidem sobre os campos, aquecendo-os, tosquiam-se as ovelhas aligeirando-as dos seus mantos de lã, usadas outrora para a feitura de meias; cobertores e outras peças de indumentária, caídas agora em desuso, para nossa infelicidade. Quem não se recorda das anciãs (ou nem tão anciãs assim – as nossas mãe em tempos ainda não muito recuados o faziam, lembram-se?) a aproveitar a lá, após a prepararem para fazerem depois as meias grossas que nos aqueciam os pés, auxiliando-nos contra o rigoroso frio de inverno?

Era feita a tosquia de forma artesanal com auxílio à tesoura e à mestria do tosquiador, contratado para o efeito ou feita pelo próprio pastor, também esse ofício dotado agora de modernidade, perdendo o seu misticismo, arte e perícia das mãos que cortavam a lã e lhe davam vida ainda que doutra forma.

Honrosa é a tua profissão ó pastor, que infelizmente tende a esfumar-se assombrada pelo passar dos tempos, engolida pela modernidade – para nosso desalento!

Tal cenário é dantesco mas real, mas nunca as memórias serão apagadas dos nossos livros e das vivências de quem privou com tal ancestral conhecimento pastoril de tão nobres senhores.

Ainda teimam alguns em manter a tradição e segui-la, como é o caso do Alcino que se dedica também à pastorícia e a quem tiro o chapéu!


(Alcino pastor)

Obrigado aos pastores “Ti Alípio”; “Ti Américo”; ao Alcino e a tantos outros, por nos deixarem o seu legado (aos mais novos pastores por o continuarem); a sua história e as suas memórias.


João Salvador – 15/05/2012

(Ao Ti Alípio; ti Américo ao Alcino e a tantos outros pastores)

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