Desde muito novo que admiro
os pastores e a sua forma de estar e de ser, pois tive a oportunidade de privar
com eles durante parte da minha vida – a pastorícia é em si um modo de estar na
vida.
Nas aldeias transmontadas,
não há tempos muito remotos era uma profissão considerada (e sempre o será para
quem conhece a dureza de tal vida e o brio de tal gente) e com alguns seguidores,
usualmente uma profissão que poder-se-ia considerar familiar.
Quem não se lembra (quem ai
mora na aldeia tem ainda esse prazer), de passar pelos campos verdejantes e ver
no horizonte ali embrenhados naquela cena bucólica pintada pelos recortes do
céu, o pastor com o seu típico cajado contemplando o céu, ladeado pelas suas
ovelhas sempre acompanhadas pelos cães que as guardam?
Ovelhas pacificamente
ruminando, engordando sem conhecer o destino, num cenário ordeiro e belo
entretidas em consumir as herbáceas que encontram nos férteis solos.
Ovelhas cumprindo
religiosamente as orientações direcionais do pastor, que as chama na sua
inconfundível voz, que corta pelas serras e montes, premiando-as com um
delicioso “petisco”.
Quem não se recorda dos carismáticos
“Ti Alípio Cavaleiro” ou do “Ti Américo Cavaleiro”, pastores de uma vida. Homens
de renome quase intemporal, fazendo ainda jus a tão nobre actividade, no alto
dos seus muitos anos já vividos.
(Ti Alípio Cavaleiro)
Garbosos na profissão que
abraçaram desde à muito, onde sempre buscaram o sustento para si e para os
seus.
Conhecedores como ninguém
dos mais faustosos pastos de erva tenra que irradia uma fulgência aprimorava na
primavera, pigmentada pelas flores brancas e amarelas que ondulam as suas
pétalas ao vento, numa dança que nos hipnotiza e nos faz sonhar.
Brinda o gado com tais
mantos de belas e suculentas pastagens. O pastor no seu silêncio, cortado pelo
chilrear dos pássaros ou pelo latir dos cães é o verdadeiro guardião das
ovelhas, mas também das paisagens naturais que embelezam o nosso Nordeste
Transmontano.
O pastor é o verdadeiro
cientista e estudioso das bucólicas paisagens tantas vezes enaltecido e
declamado nos poemas vertidos em palavras pelo nosso famoso conterrâneo Miguel
Torga. Cenário onde se sente imbuído de saber e de inspiração com a qual é
enamorado pelas próprias cores; sons e aromas dos montes que percorre sem
descanso.
Vivem abrigados e
protegidos por um céu de estrelas que lhes revela todos os seus segredos, mas
atentos aos predadores naturais que lhes podem roubar o sustento.
Nas brisas primaveris,
quando os raios de sol incidem sobre os campos, aquecendo-os, tosquiam-se as
ovelhas aligeirando-as dos seus mantos de lã, usadas outrora para a feitura de
meias; cobertores e outras peças de indumentária, caídas agora em desuso, para
nossa infelicidade. Quem não se recorda das anciãs (ou nem tão anciãs assim –
as nossas mãe em tempos ainda não muito recuados o faziam, lembram-se?) a
aproveitar a lá, após a prepararem para fazerem depois as meias grossas que nos
aqueciam os pés, auxiliando-nos contra o rigoroso frio de inverno?
Era feita a tosquia de
forma artesanal com auxílio à tesoura e à mestria do tosquiador, contratado
para o efeito ou feita pelo próprio pastor, também esse ofício dotado agora de
modernidade, perdendo o seu misticismo, arte e perícia das mãos que cortavam a
lã e lhe davam vida ainda que doutra forma.
Honrosa é a tua profissão ó
pastor, que infelizmente tende a esfumar-se assombrada pelo passar dos tempos,
engolida pela modernidade – para nosso desalento!
Tal cenário é dantesco mas
real, mas nunca as memórias serão apagadas dos nossos livros e das vivências de
quem privou com tal ancestral conhecimento pastoril de tão nobres senhores.
Ainda teimam alguns em
manter a tradição e segui-la, como é o caso do Alcino que se dedica também à
pastorícia e a quem tiro o chapéu!
(Alcino pastor)
Obrigado aos pastores “Ti
Alípio”; “Ti Américo”; ao Alcino e a tantos outros, por nos deixarem o seu
legado (aos mais novos pastores por o continuarem); a sua história e as suas
memórias.
João Salvador – 15/05/2012
(Ao Ti Alípio; ti Américo ao Alcino e a tantos outros pastores)
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