sábado, 13 de outubro de 2012

As Castanhas e os bailes


   
O fim-de-semana tardava em chegar, estava ansioso deambulando pela minha mente, aguardando a ida para terras de Carrazedo de Montenegro.

O Outono havia já chegado, premiando-nos com as primeiras chuvas e com o cair das folhas, que abandonavam as árvores cobrindo o solo num manto.

O ar frio apossava-se das terras Valpacenses, obrigando os seus habitantes a retirarem os seus casacos e capotes dos armários, para assim combater as intempéries e rigores que se avizinhavam.

As castanhas já crescidas e prontas a serem colhidas, caiam amadurecidas no solo, sozinhas ou dentro dos ouriços, esperando serem recolhidas pelas mãos dos jornaleiros ou dos próprios proprietários dos soutos.

(Apanha da Castanha)



(Castanhas nos ouriços)

Um baile diário que exige visitas regulares aos soutos aveludados pelas ervas que por ali serpenteiam, à espera de serem ruminadas pelos rebanhos de gado.

Na época das castanhas as gentes do Norte faziam bailes aos fins-de-semana em várias aldeias, celebrando a partilha, permitindo aos trabalhadores um pouco de diversão e convívio.

Ainda é possível nos dias de hoje ir-se a um baile das castanhas no interior do país, ainda que cada vez sejam menos frequentes. Tal acontece mercê do envelhecimento da população e pela cada vez mais escassa mão-de-obra, que por força desse factor está a dar lugar à mecanização.

A juventude abandonou na sua maioria o interior, fugindo de uma vida dura e escrava, apagando a vida que polvilhava as aldeias e consequentemente os bailes que se vão extinguindo para meu desalento, perdendo-se aos poucos as tradições por vezes seculares que sempre alimentaram o sorriso das terras do Norte.

Eram tempos em que eu ainda jovem (apesar de não me dedicar à apanha da castanha, já que na minha aldeia essa cultura era praticamente inexistente), rumava às terras frias de Carrazedo de Montenegro, deambulando pelas aldeias (Vilarinho do Monte; São João de Corveira; Padrela, etc) à procura de diversão. Ali encontrava colegas de escola e conhecia muitos jovens da minha idade com os quais ria com uma inocência já perdida. Naturalmente que estava sempre à espreita de um par para dançar. Adorava dançar, era algo que me fazia abandonar as preocupações e flutuar pela vida como se fosse leve e livre de problemas. Nesses momentos tudo era esquecido, centrando-me no belo sorriso das belas mulheres transmontanas.

Tive os meus “namoricos” que se guardam na memória, uns doces outros mais amargos, digamos que “ experiências vivenciadas intensamente”.

As horas passavam rapidamente ao som das músicas que saiam das colunas de som instaladas em armazéns ou garagens improvisando-se um salão de baile (de quando em vez lá vinha um conjunto para animar a malta). O mais curioso era o bilhete de entrada que ocasionalmente não existia. A solução era um carimbo que colocavam na mão, assegurando que quem entrava no baile pagava e caso quisesse sair poderia fazê-lo pois tinha “a marca” na mão. Achava aquele costume estranho, usualmente utilizado na aldeia da Padrela – Valpaços, sentia-me um pouco como o “touro” que é marcado. Bom, mas o importante era mesmo divertir-me e a verdade é que adorava aqueles momentos. Apesar de ser tímido sempre ganhava coragem para convidar uma moça para dançar. Já alguns dos amigos que me acompanhavam dedicavam-se mais às “loiras” (cerveja, por norma Super Bock). Como costumo dizer cada um é feliz à sua maneira …

Hoje pergunto-me se voltaria a fazer o que fazia: sair de casa pelas oito da noite, com um frio intenso, todo penteadinho (que logo estragava com o capacete – nada que um pente no bolso não resolvesse), devidamente perfumado, cinto de fivela, calça de ganga, camisa e casaco a condizer (bem a verdade é que procurava ter esse cuidado para estar apresentável), e depois de pronto, lá seguia eu na minha mota uma Zundapp modelo X-F17” (ciclomotor de 50 cm3) até ao destino. Quando chegava, havia dias em que estava completamente enregelado, necessitando de algum tempo para aquecer o corpo e sair daquele estado.

Bem, quando se é jovem não se pensa no frio, o importante era ir ao baile e encontrar uma mulher bonita para conversar, dançar e quem sabe namorar!

Como disse a minha terra pertence já à denominada terra quente, prevalecendo a cultura da vinha e da oliveira, tendo a castanha um papel quase insignificante. Como os bailes já ali não eram usuais, deslocava-me para a terra fria …

Foram bons tempos sim senhor! Boas amizades; boas recordações e boa gente e claro, boas castanhas!



(Castanhas num cesto - foto Vítor Loureiro)

Recomendo veementemente uma visita a Carrazedo de Montenegro, terra de castanha de qualidade. 


João Salvador – 13/10/2012

2 comentários:

  1. João. penso que não nos conhecemos, mas resolvi seguir o seu blog (que conheci por acaso através do blog do loureiro)porque esta sua última crónica podia ter sido exactamente escrita por mim (à excepção da moto e do capacete que nunca tive). de facto, sendo eu natural de Jou, sempre frequentei também, desde a minha adolescência, com os meus conterrâneos e amigos os bailes (da castanha e não só) das terras que enumera. e recordo tudo conforme o joão descreve. (inclusivé o pormenor do carimbo).
    por conseguinte, foi um gosto muito grande ler a sua bela crónica. muito obrigado.
    Jorge Fernandes

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  2. Eu é que agradeço a honra que me deu em ler a minha crónica e em seguir o meu blog.
    Conheço bem a bela localidade de Jou, já que sou natural de uma aldeia não muito distante (Sanfins). Aliás sempre que venho para o Porto passo pela sua aldeia, visto que vou pelo IP4/A4.
    Seja bem-vindo!

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