O ontem …
(Foto do Grupo Café Sobe e Desce –
Vassal)
Nas aldeias e vilas, a noite traz o descanso
dos trabalhadores que desde cedo se dedicaram à labuta nos campos ou na
construção civil, já que a indústria no interior é praticamente inexistente.
Após muitas horas de trabalho braçal, o
regaço do lar apresenta-se aos homens e mulheres, no seu quadro de conforto e
aconchego. Forram-se os estômagos e apazigua-se a fome, acalmando o corpo. A
alma sossega depois de um dia de preocupações e inquietudes, precisa agora de
alimento humano: de socialização, conversação e de palavras calorosas, ditas da
voz de um amigo ou conhecido que ajude a estabilizar a mente.
Dito isto, procurando agora alimentar o
espírito, sai-se de casa, em passo lento e despreocupado, absorvendo o manto da
noite estrelada, cheirando os aromas das mimosas que nesta altura vestem os
terrenos que ladeiam as povoações e entra-se na taberna, ou no café para umas
horas de relaxamento.
As caras são conhecidas. Amigos de infância,
pessoas da mesma escola de vida: da aldeia; da vila; que partilham destinos
similares, preocupações mas também alegrias.
Pedido o café para iniciar a noite, trago
após trago, as conversas fluem numa vozeria controlada e amena, com picos de
exaltação salutar, quando os temas são quentes, como é o caso das paixões
clubísticas.
Não se recusa o convite para o jogo de
cartas. Uma sueca, um chincalhão, para animar a noite e ajudar a passar o
tempo. Uns mais habituados que outros, vão-se gladiando, partida a partida, com
perícia ou não deliciando-se com a estratégia adoptada, visando ganhar as
partidas. Os bastidores são revestidos por espectadores que vão opinando entre
eles sobre as jogadas, olhando de soslaio para as cartas de cada jogador,
delineando as suas próprias estratégias, ao mesmo tempo que retemperam forças
acompanhados de uma cerveja, acompanhada de uns amendoins ou de uns tremoços.
A noite vai decorrendo numa parcimónia
harmoniosa, decorrente de troca de diálogos respeitantes às vidas de cada um,
enriquecendo-se a experiência de vida, estreitando-se laços de amizade, mas
acima de tudo socializando.
O hoje …
Nas cidades (e hoje também em muitos locais
do interior), vivesse sem tempo, apressados para o nada, trilhando-se caminhos
vazios, mostrando-nos sempre insaciáveis e insatisfeitos com o que a vida nos
dá!
Este cenário de socialização pessoal e plena é hoje cada vez mais irreal,
transfigurado pelas novas tecnologias, usadas por todos nós, as quais estão a
matar a socialização humana.
Os jogos reais são substituídos pelos
virtuais, as conversas pelos chats, os amigos reais pelos virtuais … é este o
caminho que se segue, cabendo a todos controlar ímpetos da utilização abusiva e
viciante das novas tecnologias como é o caso dos Smartphones que são
transportados para todo o lado.
A voz jaz muda, substituída pelos sons dos
teclados, não se ouvem as palavras cujo aconchego tanto necessita a alma
humana. O som das teclas é impessoal, frio, deprimente. Escrever a palavra
amor, vê-la num ecrã, não preenche o sentimento. Tal ocorre se dita
pessoalmente com sonoridade, afecto, ouvindo-se a voz de quem a diz, olhando-a
nos olhos, absorvendo o momento, retendo a energia que dali emana.
A culpa essa não é do avanço tecnológico, mas
tão só de cada um de nos, que pode e deve ter tempo para socializar com pessoas
reais, afastando as tecnologias quando na presença de amigos, devendo
substituir o Chat pelo diálogo.
É deprimente entrar hoje num café polvilhado
de jovens de todas as idades e ver que todos eles regrediram aos primórdios da
espécie humana, curvando-se olhado para o visor, abstraídos ao mundo real.
Assim segue o destino da socialização …
João Salvador – 02/05/2015
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