quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O Cinismo dos Valores


     Os grandes homens muitas vezes formam-se nas pequenas equipas, onde o valor humano é cultivado, prevalecendo sobre o facilitismo; o comodismo; a influência ou o compadrio. 
     O importante é moldar homens (apostando na formação e no carácter) e não alcançar vitórias a todo o custo mesmo que para isso tenham que destruir-se os sonhos e a alegria dos jovens. 
      Acima de tudo devem ser felizes; divertirem-se e crescerem com a mente sã, desenvolvendo estes uma personalidade própria com valores ancestrais, de forma a que no futuro sejam homens orgulhosos dos seus feitos, mas com humildade suficiente para reconhecer os seus erros. 
     Lastima-se que muito cedo ainda no auge da formação da personalidade, se comece a constatar a existência já enraizada do compadrio e do poder económico, em detrimento da qualidade de cada um, o que nos leva ao já conhecido por todos, ou seja pessoas sem qualidade, com vícios enraizados que afundam uma nação, levando-a à ruína. Pessoas que alcançam lugares de responsabilidade ou patamares, sem esforço; sem preparação ou qualidade para os ocupar, visto que o mérito foi do compadrio, do poder económico ou do conhecimento (influências) e não deles próprios.
     Muitas vezes o futuro de uma sociedade é minado precisamente por isso, pela falta de valores que deveriam ser primordiais, minando e hipotecando toda uma sociedade, ferindo o orgulho de toda uma nação. 
     No caso dos jovens quem os educa e tem cumplicidade nessas situações acaba por deteriorar a personalidade do jovem, poluindo-lhe a mente, tornando-o nalguns casos um mau cidadão onde este acha que qualquer objectivo (seja o poder ou qualquer outro) se alcança a qualquer preço e sem esforço, desde que tenha alguns subterfúgios ao seu alcance, não se regateando a esforços para conseguir os seus intentos. 
     Cada um (principalmente os pais e educadores) deve colocar a mão na consciência e pensar se vale a pena ter um jovem devidamente formado, imbuído de valores humanos que o tornem uma mais valia para a sociedade e o país, com vontade própria para alcançar a vitória através do seu esforço e do seu próprio mérito ou um jovem arredado de valores e com a mente poluída pelo que de mau tem a sociedade.
     Fui ensinado desde tenra idade que os valores devem ser cultivados: a honestidade; lealdade; educação a humildade ... seria uma utopia pensar-se que todos cultivam esses valores, mas seria tudo bem mais fácil! Teríamos uma sociedade mais qualitativa, onde a solidariedade humana proliferaria e o alcance de cada um se deveria apenas ao mérito.
***

     E sabido que o poder quando conseguido de forma ardilosa, provoca a metamorfose no carácter dos seres humanos. 
     A humildade e-lhes sorvida da mente, pela ânsia do subjugar; do comandar, sem censura e sem barreiras às suas acções! 
     O poder torna alguns humanos egocêntricos alimentando estes uma cultura de um qualquer semi-deus; do poder sobre as pobres criaturas que o rodeiam e que dele dependem!
      Mas, no fundo apenas conseguem isso: um poder frágil; inócuo e ilusório, que mais tarde ou mais cedo cedem a um poder ainda maior do que o deles ... é assim o espelho da sociedade e do cinismo dos valores!
Fica na consciência de cada um ...


Deixo-os com um pensamento de um grande escritor - Miguel Torga, sobre os valores:


"Cinismo dos Valores

Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente... Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? 
Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. 

Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis". 

Miguel Torga, in "Diário (1942)"

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